Assim como está tentando fazer com a reforma da Previdência, o governo federal pretende apresentar um projeto simplificado para reformar o sistema tributário. A proposta poderia até ser interessante, visto que há mais de 20 anos o assunto está em debate, mas chegar a uma conclusão parece um sonho difícil ou até impossível de ser alcançado.
O Brasil é o país em que o contribuinte mais desperdiça tempo e dinheiro para calcular e pagar impostos, conforme dados do Banco Mundial. A burocracia envolve um emaranhado de normas, e manter os impostos em dia custa cerca de 1,5% de todo o faturamento anual de uma empresa, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Então, quando o governo e o Congresso falam em reformar o sistema, a notícia deveria ser motivo de comemoração para os contribuintes. Infelizmente, não é.
Para começar, a grande falha que ocorre em nosso país – e isso não diz respeito apenas a questão tributária, mas a diversos outros setores – é que não se cumpre a Constituição Federal de forma hígida. Se isso ocorresse, talvez nem seria necessária a mudança na forma de arrecadação. Pois o sistema constitucional tributário é bem desenhado, partilhando entre os entes as competências e as receitas tributárias para que tenham capacidade de angariar caixa para a realização de suas atividades.
O remendo que pretendem fazer desta vez no sistema tributário trará mais prejuízos que benefícios
Porém, dentro desse desenho correto houve violações totalmente desnecessárias, ilegais e inconstitucionais cometidas pelos administradores. A União, por exemplo, não concede qualquer espécie de isenção em relação às contribuições que são de sua exclusiva arrecadação e sem repasse, mas tem por prática habitual conceder isenções em relação a impostos que são partilhados com os outros entes. Os estados, por sua vez, violam os acordos do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para dar subsídios não autorizados e, portanto, inconstitucionais. E, por fim, os municípios, em diversos casos, simplesmente não arrecadam os impostos de sua titularidade – o caso mais comum é o do Imposto sobre Serviço (ISS) – por suposta dificuldade de arrecadação.
É fácil observar que, com ou sem reforma, quem corroeu o sistema foi o administrador público nas três esferas. Em vez de respeitarem o texto magno, optaram por violá-lo em benefício próprio – especialmente a União. De nada adiantará uma reforma tributária se não existir responsabilidade do administrador público e o respeito à Constituição e aos direitos de cada ente político.
O relator da reforma tributária afirma que a proposta de emenda constitucional prevê a extinção de diversos tributos, como IPI, IOF, CSLL, PIS, Cofins, salário-educação, Cide-combustíveis, ICMS e ISS. Mas a grande questão aqui é entender como os congressistas alterarão a Constituição para extinguir dois tributos que nem sequer são de suas competências, como o ICMS e o ISS. O ICMS é a principal fonte de arrecadação dos estados, e sua extinção representará o fim da autonomia estadual perante a União. E mais: a extinção do ICMS dos estados é o mesmo que violar a forma federativa de Estado e a separação dos poderes, o que é vedado pela própria Constituição. Retirar as competências tributárias de estados e municípios irá fazer com que dependam exclusivamente da União, fato também não permitido pela Carta Magna.
Leia também: A reforma tributária e a igualdade social (artigo de Mateus Adriano Tulio, publicado em 22 de dezembro de 2017)
O tema não é novo e nossos congressistas gostam de debruçar-se sobre ele, sem nada decidir. O remendo que pretendem fazer desta vez no sistema tributário trará mais prejuízos que benefícios. O principal responsável pela quebra do sistema e desrespeito à tributação é a própria União, através das famosas imposições declaradas como contribuições, que são tratadas pelo governo federal como coringa em que se pode tudo.
Antes de perder tempo e força com uma reforma que já vem inteiramente remendada e fadada ao fracasso, dever-se-ia respeitar o texto constitucional. Além disso, é preciso viabilizar a desoneração de setores importantes da sociedade como a indústria, a construção civil e a saúde.
De qualquer forma, se o governo continuar com a mesma credibilidade que tem demonstrado para com a reforma da Previdência, o atual mandato terá acabado e a reforma tributária nem chegará a ser apresentada em plenário.