Há tempos, dirigi um documentário sobre os imigrantes que ajudaram a construir o Paraná. Durante a montagem do filme, ao escolher cenas de uma dança folclórica polonesa, percebi: essa dança, cuja simbologia mítica é agradecer aos deuses por boas colheitas, tem sentido apenas lá, em seu lugar de origem, na região onde foi criada. Aqui em nosso estado, por mais bonita e representativa que seja, não nos toca diretamente. Só tem valor como espetáculo e manifestação estética.
Continuei me questionando. Mas o que é, então, que faz sentido ao povo do Paraná? Alguns responderão: o barreado. Não. O barreado só tem significado em Morretes e Antonina. Não diz nada em Maringá ou em Marechal Cândido Rondon. Outros poderão defender: é o porco no rolete e o fandango. Também não. O primeiro é uma manifestação típica de Toledo e o outro, só do Litoral: Cotinga, Valadares e Guaraqueçaba, nada mais.
Então o que, de fato, é capaz de nos unir como povo? Na Bahia, faz este papel o candomblé. No Rio Grande do Sul, o vanerão. Em Minas Gerais, a folia do Divino. Em Pernambuco, é o frevo. Depois de algum tempo de muito pensar, cheguei a uma conclusão que hoje divido com o leitor.
Só o pinheiro tem o poder da representatividade como nosso símbolo mítico
Acredito que só o pinheiro – a Araucaria angustifolia – tem o poder da representatividade como nosso símbolo mítico. Ele é como um totem sagrado, um objeto de veneração, uma marca, uma insígnia. Só esta espécie é capaz de nos retratar como estado. Ela existe há mais de 250 milhões de anos e, junto com uma variedade imensa de espécies de flora e fauna que compõe a Floresta com Araucária, chegou a se manifestar em quase 40% do território estadual – ou 8 milhões de hectares – quando os primeiros colonizadores chegaram aqui.
Causa espanto observar o quanto fomos negligentes com uma das árvores – e com a porção florestal onde ela se desenvolve – mais bonitas do planeta. Em menos de 100 anos, conseguimos destruir uma espécie que, de tão antiga, chegou a conviver com os dinossauros.
O movimento paranista, estimulado por Romário Martins e que ganhou expressão nos talentos de João Turin, Zaco Paraná, Lange de Morretes, Alfredo Andersen e João Ghelfi, por exemplo, percebeu o potencial e a força do pinheiro como marca e o desenhou nas calçadas de petit-pavé das nossas ruas, nos monumentos, murais e nas obras de arte.
Como nós, paranaenses, somos por formação um povo de negociantes, e não de guerreiros, adotamos outro símbolo: o vil metal, em vez do pinheiro, como força de união. Passamos a adorar o bezerro de ouro da extração predatória e do comércio. Vendemos a primeira chance de identidade já no início da nossa organização social. O único símbolo paranaense embarcou nos navios de carga em Paranaguá para virar mesas, cadeiras e casas fora daqui.
Muitos já perceberam que nada paga a ausência da araucária nas paisagens dos nossos planaltos. Você pode estar pensando que sou ingênuo demais. Mas não acho que eu seja. Na mitologia, o totem sagrado representa o reservatório da energia de um povo. Devemos respeitar os símbolos mitológicos, porque nossas raízes mais profundas estão associadas a eles. E talvez seja por não termos um mito inicial que nos revelamos tão desarticulados socialmente e desunidos politicamente.
Chorem comigo pela extinção das araucárias porque, num futuro próximo, nossos descendentes herdarão as consequências desse descaso. Serão como nós. Uma tribo sem totem, um povo sem mito, atravessando, combalido, o deserto da destemperança. Lembrando Drummond, poderão dizer: “este pinheiro é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói”.
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