A prefeitura precisa ver que há na cidade movimentos cívicos dedicados à mobilidade urbana entusiasmados em ajudar, além de um crescimento reconhecido de pesquisas e estudos técnicos sobre mobilidade gerados nas universidades

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No final de setembro, durante a semana da mobilidade urbana, três curitibanos deixaram o carro na garagem, e se deslocaram a pé, de bicicleta e de ônibus. Todos sentiram as dificuldades pelas quais passam mais da metade da população diariamente.

Há soluções técnicas e políticas para cada um desses problemas.

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O primeiro passo é abandonar duas posturas que por vezes se vê na administração pública curitibana: a da avestruz e a do narciso. A avestruz, quando vê um problema, enfia a cabeça no buraco. Narciso apaixona-se pela própria imagem refletida na água. A avestruz apenas deixa de ver o predador, que a devorará. Narciso cai no lago e se afoga.

Começando com os ônibus. O transporte público da Região Metropolitana de Curitiba está piorando. Dizer que ele é o modelo para as cidades que sediarão a Copa, justificando assim que ele seja bom, merece ressalvas. O sistema, chamado tecnicamente BRT (Bus rapid transit), de fato será usado; mas provavelmente não mais o modelo de Curitiba, e sim o de outras dezenas de cidades que o adotaram e o incrementaram. O segundo, e mais grave, é que, de qualquer modo, o usuário não viaja em um modelo; mas em um ônibus apertado, conduzido por vezes de forma perigosa, passando aos solavancos por canaletas com asfalto em péssimas condições.

Quanto às ciclovias, Curitiba tem cerca de 150 quilômetros de pistas dedicadas a bicicletas. É ótimo. Pena que boa parte delas não leva a lugar nenhum. Quando implantadas, com ênfase na década de 1980, não havia tantos carros, e os usuários cotidianos de bicicletas trafegavam pelas ruas. As ciclovias, então, cumpriam seu papel, prioritariamente de lazer. E para isso estão bem localizadas, interligando vários dos parques da cidade. O aumento do tráfego de carros fez com que a prefeitura gastasse na abertura de vias para construção de binários, na retirada de faixas de estacionamento para circulação de carros – enfim, medidas que a prefeitura adotou pressionada pelos carros ocupando os espaços da cidade. Mas não houve nenhuma medida de impacto similar para se encarar a bicicleta como meio de transporte. Não é muito esforço saber que não há muitos usuários de bicicleta que queiram ir do Jardim Botânico ao Barreirinha diariamente. Os trajetos que querem são exatamente os mesmos dos usuários de carro: a Visconde de Guarapuava, a Sete de Setembro. E, assim como os motoristas, os usuários de bicicleta querem trafegar com segurança nos principais eixos e poder estacionar seus veículos – se possível junto às paradas de ônibus, pois eles, os ciclistas, diferentemente dos motoristas, fariam integração com o transporte público.

As calçadas, finalmente, por onde circulam os pedestres, para mim, são o maior mistério. Como a cidade que implantou um modelo de transporte público pode ter calçadas tão ruins? Há um argumento de que, pela lei, a construção e manutenção da calçada é responsabilidade do proprietário do imóvel. Mas é o argumento-avestruz. A péssima qualidade das calçadas das praças da cidade está aí para provar.

Curitiba tem um transporte de qualidade, superior a milhares de cidades do Brasil! É verdade, sem dúvida. Sempre há alguém em situação pior do que a nossa. Mas para uma cidade que com esforço próprio, de seus políticos e técnicos, se fez como uma referência urbana, isso pode nos bastar.

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E o que fazer? Curitiba tem na Urbs e no Ippuc dois órgãos com um corpo técnico de alta qualidade, além de comprometido com a cidade. Há coisas a melhorar? Sempre há. O que nós, que assumimos uma posição crítica, não podemos fazer é enfraquecer esses órgãos. Isso sim seria uma derrota de difícil recuperação para a cidade. Por outro lado, a prefeitura precisa ver que há na cidade movimentos cívicos dedicados à mobilidade urbana entusiasmados em ajudar, além de um crescimento reconhecido de pesquisas e estudos técnicos sobre mobilidade gerados nas universidades. Enfim, ainda há vontade de se fazer de Curitiba uma cidade melhor.

Fábio Duarte é coodenador do mestrado e doutorado em Gestão Urbana da PUCPR.