Faltam apenas algumas formalidades, a corrida presidencial já começou. Além das alfinetadas pessoais, tentou-se um debate conceitual que dificilmente vingará. Pura preguiça: discutir ideias é mais complicado do que confrontar slogans. Os marqueteiros abominam conteúdo, é mais confortável vender "produtos", os formadores de opinião preferem provocar retaliações facilmente exacerbadas pelo clima "plebiscitário", as militâncias rejeitam reflexões que as tornam inúteis e o pobre do eleitor, obrigado a fixar-se no placar das sondagens, acabará por achá-las chatas.

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A primeira e até agora única experiência temática ensaiada foi a do "Estado Forte" – enganosa: ninguém quer um Estado frágil, incapaz de enfrentar emergências e surpresas num mundo que tende a produzir emergências e surpresas em altíssima velocidade.

Mesmo no âmbito da economia – potencialmente o mais rico em matéria conceitual – a agenda de debates promete grandes simplificações concentradas principalmente em torno da subida ou manutenção da taxa de juros para conter o aquecimento da demanda.

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A candidata Marina Silva, cujo perfil pessoal e partidário contém naturalmente uma grande carga programática, dificilmente conseguirá alçar-se acima da barragem de acusações ou da comparação de feitos e façanhas.

A atual penúria ideológica contrasta com a primeira década da redemocratização (1979-1989) quando apareceram duas siglas marcadamente ideológicas estimuladas pelo artífice da abertura, o general Golbery do Couto e Silva, obsessivamente fixado em esvaziar a força do "partidão", o PCB, aninhado dentro do antigo MDB.

A primeira sigla foi a do PDT (Partido Democrático Trabalhista), fundado em 1979 por Leonel Brizola, que pretendia assemelhar-se ao Labour Party, o partido trabalhista inglês. Associou-se imediatamente à Internacional Socialista, embora sua vocação e ambição fossem direcionadas prioritariamente para a reativação do trabalhismo getulista.

O PT (Partido dos Trabalhadores), fundado no ano seguinte, abrigava inicialmente uma ala de intelectuais socialistas, porém o grupo mais forte era constituído por novas lideranças sindicais apoiadas em elementos trotskistas igualmente anti-PCB, que conseguiram enfiar no documento inicial um repúdio frontal à social-democracia por considerá-la incapaz de enfrentar o "capitalismo imperialista".

A sigla mais recente, o Partido da Social-Demo­­cracia Brasileira (PSDB, 1988), dissidência do PMDB, inspirou-se no modelo do socialismo democrático europeu com apoio da ala progressista da demo­­cracia cristã.

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Porém a necessidade de montar alianças para chegar e manter-se no poder desnaturou os dois últimos e mais autênticos grupamentos. O lançamento do Real e a intervenção no sistema financeiro através do Proer, em 1995, talvez tenham sido os atos mais "estatistas" desde a redemocratização. A privatização do sistema Telebrás, responsável pela formidável expansão da telefonia no país, não foi acompanhada por um suporte regulador, convertendo-se em autêntica terra de ninguém. A convivência eleitoral com o PFL (agora DEM) tirou do PSDB sua marca e seu charme social-democrático.

E o que deu a vitória ao PT tanto em 2002 como em 2006 foi uma audaciosa guinada neo liberal que, paradoxalmente, reforçou o capitalismo de Estado. No lugar do Welfare-State, o Estado previdencial e provedor, apostaram-se todas as fichas num sistema assistencialista do qual dificilmente será possível libertar-se.

A febre consumista e a necessidade de manter ligadas as turbinas do crescimento não permitirão um debate em torno da irracionalidade da sociedade de mercado ou sua compulsão para fabricar bolhas. O eleitor-consumidor será bajulado por todos os candidatos. O seu voto será dado a quem lhe oferecer maior grau de satisfação imediata. Como escreveu Leonel Jospin, ex-premiê socialista francês, o mercado produz riquezas, mas não produz solidariedade, nem valores.

A questão ética vai frequentar os debates, mas renderá, no máximo, ataques mútuos no campo das "roubalheiras". É pouco: uma sociedade e um sistema político intoxicados pela corrupção mas envergonhados de discutir questões morais não tem condições de produzir novos conteúdos.

Alberto Dines é jornalista.

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