Nesta terça-feira, dia 28, integrantes do movimento Curitiba Patriota fizeram uma manifestação ruidosa em frente à Assembleia Legislativa do Paraná para protestar contra os dois projetos de “passaporte sanitário” que estavam para ser pautados na casa. O protesto contra o passaporte se estendeu das 9h30 até por volta das 16 horas e não contou com um grande número de aderentes. Ainda assim, os discursos feitos do caminhão de som e intercalados com execuções do Hino Nacional, do Hino da Independência e do Hino do Paraná reverberaram nos palácios do Centro Cívico.
Um dos projetos criticados pelos manifestantes, o PL 371/2021, é de autoria do deputado Arilson Chiorato (PT); o outro, o PL 180/2021, foi formulado pelos deputados Ademar Traiano (PSDB), Luiz Claudio Romanelli (PSB) e Alexandre Curi (PSB). Este último texto, pelo menos, foi arquivado nesta mesma tarde, depois que os seus autores reconheceram a inconstitucionalidade do projeto, enquanto o parlamentar petista insiste na alegação de que o seu projeto é constitucional. Será útil, entretanto, discutirmos as implicações que uma lei como essa poderia ter na vida dos cidadãos.
Ninguém ignora que as gerações passadas testemunharam atentados contra os direitos humanos e as liberdades civis que muitas vezes tiveram início com decisões políticas aparentemente justificáveis, inofensivas e até benevolentes de um ponto de vista coletivista. Historicamente, os mecanismos de segregação e vigilância social, as políticas higienistas, os “campos de reeducação” e outras formas de controle impostas por repressivos aparatos governamentais nunca foram apresentados à população como algo ameaçador e prejudicial, mas sempre como benéfico para a população em geral.
Não digo que seja este exatamente o caso, mas me pergunto se, com uma lei dessas, não poderíamos ter, nos nossos dias, uma reprise daqueles episódios que, no passado, foram o primeiro passo para uma imparável escalada autoritária.
Lamentavelmente, existem – e são muitos no Brasil – os agentes públicos e formadores de opinião que parecem simpatizar com o sistema de crédito social chinês e as violentas repressões na Austrália contra cidadãos opositores das restrições anti-Covid. Mas nós, os brasileiros minimamente sensatos, seguramente não queremos que essas experiências se repitam por aqui. Penso, portanto, que a prescrição de “passaportes sanitários” por governos que pretendem obrigar a população toda, indistintamente, a ser inoculada pelas vacinas disponíveis contra a Covid-19 é algo no mínimo alarmante.
Deixo claro, antes que me acusem de fazer coro com algum movimento “antivax”, que sou 100% favorável a uma imunização eficiente, livre e comprovadamente benéfica para da população. Precisamos, no entanto, ter o senso democrático de considerar os argumentos e questões levantadas pelos cidadãos que estão reticentes em relação aos imunizantes atualmente disponíveis e o custo-benefício que eles representam, em comparação com a sua dispensa.
Duvidar é um direito. E escolher os meios que nos parecem mais confiáveis para zelar por nossa saúde e pela saúde da nossa família também.
Sabemos que um vasto contingente da nossa população já é naturalmente imune ou foi imunizada por seu próprio organismo, tendo adquirido anticorpos neutralizantes em contato com o vírus. Há estudos que apontam, inclusive, que essa imunização natural supera em eficácia a imunização induzida artificialmente pelas vacinas.
Então, que sentido há na obrigatoriedade da vacinação e do seu documento comprobatório num cenário em que 90% da população adulta já se apresentou voluntariamente para ser vacinada e a presumível maioria da parte restante ou pretende se vacinar ou já está naturalmente imune ao vírus? Não parece um daqueles casos em que um dispositivo de controle estatal acaba tendo apenas um fim em si mesmo, como se usassem de um pretexto para aumentar a vigilância e o peso da autoridade sobre a vida das pessoas? Foi justamente isso o que deu a entender o ministro da Saúde israelense, Nitzan Horowitz, no último dia 12 de setembro, quando declarou: “A imposição do passaporte em certos lugares é necessária apenas para pressionar o público a se vacinar, não por razões médicas”.
Assim, convém discutir democraticamente a necessidade e a legitimidade da imposição de uma medida tão restritiva que põe em xeque uma série de direitos pessoais. Os riscos que se projetam atingem do direito à autonomia pessoal sobre o próprio corpo aos direitos de livre circulação, de acesso aos serviços públicos, ao mercado de trabalho (questão de sobrevivência), e de estar isento de qualquer discriminação social. Todas essas violações de direitos fundamentais poderiam vir na esteira do tal passaporte, que já está sendo chamado em muitos círculos de “novo apartheid” ou “passaporte da exclusão”.
Podemos e devemos cuidar da saúde do nosso povo, mas sem violar a dignidade humana e minar princípios axiais da democracia e das liberdades civis.
Há, por exemplo, entidades locais representativas dos setores do comércio, turismo e serviços que já se manifestaram contra a proposta e, além do Brasil, diversos outros países, como França, Itália, Canadá, Reino Unido e Austrália registraram protestos populares nas ruas questionando a legalidade do passaporte.
Reitero que não se trata, aqui, de estigmatizar as vacinas em geral, mas sim de levantar o direito que os duvidosos têm à incolumidade física e de não serem classificados como “cidadãos de segunda classe” por dispensá-las. Trata-se de uma posição pela salvaguarda das liberdades democráticas e de um questionamento, enfim, sobre os precedentes ditatoriais que a imposição do passaporte abriria.
A necessidade e acerto da disponibilização da vacina pelo poder público é ponto pacífico para nós. Mas outra coisa é a injunção de um mecanismo político coercitivo que instaure um quadro de segregação social e cancelamento de direitos. Soluções alternativas existem, como oferecer doses de reforço às pessoas vacinadas que, por alguma razão, se sentirem ameaçadas pelas que dispensam as substâncias injetáveis.
Creio que podemos e devemos cuidar da saúde do nosso povo, mas sem violar a dignidade humana e minar princípios axiais da democracia e das liberdades civis.
Luiz de Moraes é mestre em Ética e Filosofia Política, jornalista, professor de Filosofia e ativista.
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