Em recente decisão monocrática, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a prisão cautelar do atual presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, assim como a busca e apreensão na residência do ex-parlamentar e o bloqueio de sua conta do Twitter. Estas medidas ocorrem no contexto de investigação criminal de suposta milícia digital, em que se apura a existência de organização criminosa voltada à prática de atos de financiamento, produção e disseminação de atos atentatórios à democracia. Logo após a divulgação da decisão e a realização da prisão de Roberto Jefferson, surgiram várias discussões a respeito da legalidade do ato jurisdicional. Sem o intuito de politizar a questão, mas analisando apenas os seus aspectos jurídicos, indaga-se: o que há de legal na prisão de Roberto Jefferson?
A prisão decorreu, em essência, da divulgação de vídeos e entrevistas em que Roberto Jefferson ofende membros do Senado e do STF, põe em dúvida a lisura do processo eleitoral, discrimina a comunidade chinesa e os grupos LGBT, defende a invasão do parlamento federal, o encerramento de atividades parlamentares e, no limite, a agressão a agentes públicos e políticos. Os fatos são gravíssimos e, seguramente, não se confundem com a saudável e lícita liberdade de expressão. Na representação pela prisão de Roberto Jefferson, a Polícia Federal aponta, em tese, para a ocorrência de infrações contra a honra; incitação à prática de crimes; prática, indução ou incitação ao preconceito; e pertinência a organização criminosa. Já Alexandre de Moraes, ao analisar o pedido, afirma que a investigação abarca, também e em tese, crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, tributários e outros previstos na Lei de Segurança Nacional.
No caso específico, tanto da análise da representação policial como da decisão que determinou a prisão preventiva, não se vislumbram indícios de pertinência a organização criminosa. O que se descreve amplamente, na decisão de Alexandre de Moraes, são atos isolados de Roberto Jefferson, na maioria concessões de entrevistas ou postagens de vídeos em que o ex-parlamentar abusa ilicitamente da liberdade de expressão. No mais, as investigações das denominadas “milícias digitais” se desdobram em uma miríade de situações e investigados, não se podendo extrair dos fatos que envolvem especificamente a figura de Roberto Jefferson indícios de lavagem de dinheiro, crimes financeiros ou tributários.
A correta adequação criminal – ainda que provisória – dos fatos, na decisão que decreta a preventiva, é de suma importância, pois, segundo a regra do artigo 313, I, do Código de Processo Penal, somente se admite a prisão cautelar para os crimes dolosos com pena abstrata máxima superior a quatro anos. No caso concreto, mesmo se excluídos hipoteticamente os delitos de pertinência a organização criminosa e lavagem de dinheiro, a prisão preventiva preencheria, por hipótese, o comando do artigo 313, I, do CPP, na medida em que as condutas do ex-parlamentar poderiam se enquadrar aos crimes do artigo 20, § 2.º, da Lei 7.716/89 (praticar, induzir ou incitar, por intermédio de meio de comunicação, discriminação ou preconceito de etnia) e do artigo 17 da Lei de Segurança Nacional (tentar mudar, com emprego de grave ameaça, o regime vigente ou o Estado de Direito), ambos com penas máximas abstratas superiores a quatro anos.
Logo após a divulgação da decisão do ministro Alexandre de Moraes, surgiram dúvidas a respeito da necessidade de prévia manifestação da Procuradoria-Geral da República (órgão máximo do Ministério Público Federal e com atuação perante o STF) para o deferimento da prisão cautelar. Oportuno dizer que, depois da representação da Polícia Federal pela prisão de Roberto Jefferson, abriu-se a oportunidade, pelo prazo exíguo de 24 horas, para que a PGR pudesse se manifestar, o que não ocorreu. Ainda que se defenda a inconstitucionalidade e ilegalidade da decretação direta (sem nenhum requerimento) da prisão cautelar pelo juiz, no caso de Roberto Jeferson houve pedido prévio da medida pela autoridade policial, em atendimento ao comando do artigo 311 do CPP, segundo o qual “caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz (...) por representação da autoridade policial”. Ou seja, a oitiva da PGR seria medida salutar, mas não necessária, segundo a disciplina legal que rege a matéria.
A regra do artigo 312, parte final, do CPP prevê dois requisitos para a decretação da prisão preventiva: a existência de indícios de autoria e prova da existência da infração penal (em linguagem jurídica, o denominado fummus comissi delicti). Estes requisitos devem estar sempre presentes e indicados na decisão judicial que decreta a prisão cautelar e, no caso de Roberto Jefferson, foram devidamente explicitados pelo ministro Alexandre de Moraes, que transcreveu, em mais de 20 páginas, as entrevistas e vídeos recentes em que o presidente do PTB pratica as condutas em tese delituosas, consistentes em ataques às instituições democráticas, crimes contra a honra etc.
Além dos requisitos, que devem estar presentes em toda e qualquer decisão que determina a prisão preventiva, o artigo 312, primeira parte, do CPP impõe a necessidade de indicação de ao menos um dentre quatro fundamentos para a determinação da cautelar. Assim, a preventiva deve estar fundada na garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Em outros termos, é necessário demonstrar que a manutenção da liberdade da pessoa investigada representa um risco concreto ao processo ou à investigação criminal (periculum libertatis). A inexistência de indicação motivada de ao menos um fundamento para a preventiva torna a decisão absolutamente nula.
A decisão de Alexandre de Moraes, no ponto atinente ao fundamento da prisão preventiva, está assim explicitada: “Na presente hipótese, como demonstrado, patente a necessidade de garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, pois presentes o fummus comissi delicti e periculum libertatis, inequivocamente demonstrados nos autos os fortes indícios de materialidade e autoria dos crimes previstos nos artigos (...)”. Neste aspecto, há uma aparente confusão entre os requisitos (fummus comissi delicti) e os fundamentos (periculum libertatis) da prisão preventiva. A decisão indica de forma explícita e bastante bem fundamentada os requisitos da preventiva, porém não indica, concretamente, quais seriam os riscos a serem protegidos mediante a restrição da liberdade de Roberto Jefferson.
A prisão preventiva é uma medida cautelar de extrema gravidade, pois implica na restrição da liberdade e pode ser determinada inclusive antes de iniciado o processo penal, como é o caso de Roberto Jefferson, que foi preso ainda durante o curso da investigação criminal. Em face de sua gravidade e excepcionalidade, existem várias garantias legais que devem ser observadas pelo Estado-Juiz na decretação da preventiva. No caso de Roberto Jefferson, ainda que em vários aspectos se tenha observado as formas legais para a fixação da cautelar, em ao menos um ponto houve violação à lei, dado não se ter explicitado com clareza o fundamento do periculum libertatis na decisão do ministro Alexandre de Moraes. E, como no direito não existe gradação de legalidade da prisão processual, pode-se dizer que a preventiva decretada contra o presidente do PTB é absolutamente ilegal por carência de fundamentação e comporta relaxamento, na forma do artigo 5.º, LXV, da Constituição.
Bruno Milanez é advogado especialista em Criminologia e mestre e doutor em Direito Processual Penal.