As obras de C.S.Lewis e J.R.R.Tolkien são as mais frequentemente encontradas ao alcance de minhas mãos. Ao apanhar algum de seus inúmeros escritos, não sou apenas alguém que lê algo para simplesmente ocupar meu tempo, mas, na posição de aprendiz, escuto atentamente os sábios conselhos desses dois professores “oxfordianos”.
Lewis, com sua maneira estritamente singular, atravessa minhas “meias verdades” como uma espada. Ele me ensina que, se necessário, o argumento deve partir de uma análise etimológica, pois só assim, trabalhando desde a raiz, é que se constrói uma casa sobre a rocha. Já Tolkien me ensina a cultivar uma consciência das limitações de meu raciocínio, e oferece-me as asas da imaginação. Com eles, sigo em um continuo aprendizado em que não é possível a existência da razão sem a presença ativa da imaginação. Como um leitor moderno, inicialmente tive dificuldades em aceitar tal conselho, mas o tempo passou, o horizonte se ampliou e, com ele, a minha compreensão. Agora sei que não se trata apenas de um conselho, mas sobretudo de um fato. A imaginação nos revela verdades insondáveis ao intelecto e nos capacita a entender com mais plenitude aquilo já concebido pela razão.
A mitologia incomparável de um e a lucidez e estilo incomum do outro devem-se a esses dois princípios: amor pela verdade e o valor de uma boa amizade
Se a imaginação (ou a mitologia) é um traço marcante nas obras de Tolkien e a razão (ou a apologética), nas obras de Lewis, digo que a verdade é um traço ainda mais marcante e predominante dos dois autores. O amor pela verdade é mostrado com tal força que tanto Lewis quanto Tolkien nos convidam a nos desapegarmos de preconceitos e aceitar que cada palavra, linha e página confrontem nossas “meias verdades”. Só assim podemos nos encontrar com a verdade e ter nosso intelecto e imaginação transformados, passando a ser mais honestos, constantes e íntegros.
Neste pouco tempo em que conheço Lewis e Tolkien, pude perceber a impossibilidade de separar suas obras e suas vidas. Além de amarem a verdade, caminhavam juntos em direção a ela. Lewis, por amor à verdade, deixou seu ateísmo absoluto em troca de um cristianismo puro e simples, mas não fizera isso sem a influência de Tolkien – e, sem ele, talvez a conversão não teria sido da forma que foi. Tolkien, por amor à verdade, dedicou uma vida inteira à criação de mitos e, assim como seu amigo, também não fez nada sozinho, pois seu perfeccionismo exagerado não o permitia finalizar as obras. Se não fosse pelo incentivo de Lewis, não teríamos hoje o prazer de ler obras como O Senhor dos Anéis e O Hobbit. A mitologia incomparável de um e a lucidez e estilo incomum do outro devem-se a esses dois princípios: amor pela verdade e o valor de uma boa amizade.
Leia também: C.S Lewis, natureza humana e a “abolição do Homem” (artigo de Carlos Adriano Ferraz, publicado em 3 de maio de 2018)
Não é à toa que o período mais produtivo de Lewis se deu quando os Inklings – um grupo de literatura e cristianismo – se reuniam. Ele esteve rodeado de bons amigos e debates que se refletiram em sua primeira obra apologética, O problema do sofrimento. Em Os quatro amores, obra dedicada aos Inklings, Lewis escreve que uma amizade nasce de um interesse em comum, seja ele bom ou ruim. Tolkien e Lewis não estavam mais sozinhos; contavam com os Inklings nessa caminhada rumo à verdade. O grupo refletia o melhor dos dois amigos, que acreditavam que os contos mitológicos (a imaginação) são capazes de nos comunicar mais verdades (a razão), como certa vez escreveu Lewis: “Mitologias (...) são produtos da imaginação, no sentido de seu conteúdo ser imaginativo. As mais imaginativas estão ‘mais perto do alvo’ no sentido de nos comunicar mais realidade”.
Neste cenário atual em que não se valoriza a amizade, o aspecto mitológico e a própria razão, acredito que Tolkien e Lewis nos aconselhariam a cultivar bons relacionamentos, que são a escola de virtudes e a coroa da vida, e não negligenciar a leitura de obras que exijam de nossa imaginação, pois são elas as responsáveis por ampliar os mares por onde navega a razão e possibilitam o encontro com aquilo de que carecemos: a verdade.
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