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Fachada do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo: nova lei de licitações vai mudar a forma como o poder público compra produtos e contrata serviços.
Fachada do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo: nova lei de licitações vai mudar a forma como o poder público compra produtos e contrata serviços.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Foi aprovado pelo Senado Federal o projeto de lei que versa sobre o novo regime jurídico das licitações e contratações da administração direta e indireta da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. O PL 4.253/2020, que seguiu para sanção presidencial, revoga parcialmente a Lei 12.462/2011 e, em sua integralidade, as leis 8.666/1993 e 10.520/2002.

O Novo Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos vem substituir o atual regime (em vigor desde 1993 por meio da Lei 8.666) por normas mais atualizadas e aperfeiçoadas, incorporando entendimentos dos órgãos de controle, conferindo força legal a diversas instruções normativas (outrora esparsas) sobre o setor e assimilando dispositivos da modalidade pregão prevista na Lei 10.520/2002 e do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), disciplinado pela Lei 12.462/2011. Fazendo um exercício de prognose, é possível estabelecer, a título de primeiras reflexões, algumas premissas que decorrem da Nova Lei de Licitações, a saber:

A futura lei traz diversas mudanças, mas, em seu âmago, o procedimento licitatório segue o mesmo. Por força do texto constitucional, o PL 4.253/2020 não é em sua essência disruptivo quando comparado ao que dispõe o núcleo duro da Lei 8.666/1993, ao que dispunha o Decreto-Lei 2.300/1986 e, em alguma parte, ao que dispunha o Decreto-Lei 200/1967, de modo que, tal como nos últimos 50 anos, segue havendo um procedimento competitivo que, sob a ótica dos princípios da isonomia e da impessoalidade, antecede a celebração dos contratos em que a administração pública adquire bens ou serviços junto a eventuais interessados.

O regime jurídico atual ainda seguirá tutelando licitações e contratos por alguns anos. O PL estabeleceu uma espécie de regime de transição, vez que as novas regras para as licitações e contratos administrativos só se tornam obrigatórias após dois anos do início da vigência do Novo Estatuto. Neste período, os órgãos e entidades da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal poderão seguir utilizando em suas licitações e contratos as normas que serão revogadas pelo novo regime jurídico (como as leis 8.666/1993 e 10.520/2002) ou, de forma facultativa, as normas do Novo Estatuto. Tal disposição confere uma grande sobrevida ao atual regime de licitações e contratos, haja vista que o projeto de lei estabelece que os contratos administrativos (cujo prazo de vigência nos termos da legislação atual pode ser de até 60 meses mais uma prorrogação excepcional de 12 meses) celebrados nestes dois anos do regime de transição sob as normas do regime jurídico revogado pelo Novo Estatuto seguirão sendo por elas tutelados até o fim das suas vigências. Se o PL 4.253/2020 for sancionado e publicado na forma de lei ainda este ano, é possível termos contratos sendo regidos pela Lei 8.666/1993 até o ano de 2028.

A Nova Lei de Licitações terá como paradoxal consequência a realização de menos licitações. Como no regime atual da Lei 8.666/1993 as dispensas de licitação em razão do valor da contratação são na ordem de R$ 33 mil para obras e serviços de engenharia e de R$ 17,6 mil para compras e demais serviços, é perfeitamente possível especular que os órgãos e entidades da administração pública já adotem o Novo Estatuto nas dispensas de licitação em razão do valor tão logo ele esteja em vigor, haja vista a nova norma prever um teto muito mais alto para tais contratações diretas: R$ 100 mil para obras e serviços de engenharia e R$ 50 mil para compras e demais serviços.

Protagonismo da União. O PL incorpora em seu texto a redação de diversas instruções normativas que a princípio só deveriam ser aplicáveis a órgãos e entidades da administração pública federal (atualmente, e há muitos anos, na prática estados, DF e municípios, por diversos motivos, findavam por seguir estas instruções normativas e eram cobrados pelos órgãos de controle locais a segui-las). Tais normas infralegais ganham outro peso normativo e impõem, por força de lei, aos entes subnacionais uma ritualística operacional desenhada pela burocracia federal, que difere sobremaneira das realidades estaduais e, sobretudo, das realidades municipais.

Protagonismo do TCU. O PL consagra entendimentos do TCU, elevando-os inclusive a princípios regentes das licitações (exemplo: princípio da segregação de funções). Neste particular, em que pese o fato de o conjunto de decisões reiteradas do TCU não se caracterizar propriamente como jurisprudência, não é raro ver na prática órgãos e entidades de estados, DF e municípios incorporarem as razões de decidir do TCU, tomando-as como se fossem enunciados abstratos e normativamente vinculantes. Portanto, de uma certa forma, a Nova Lei de Licitações estabelece uma preponderância dos entendimentos do TCU sobre os entendimentos produzidos pelos TCs locais, algo que a rigor inexiste dentro do sistema nacional de controle externo, mas que, na prática, é visto com certa frequência.

Dificuldade de implementação por parte da maioria dos municípios das novas regras sobre licitações. A Nova Lei de Licitações passará a dispor de forma pormenorizada sobre a fase interna das licitações, mas o fez adotando o padrão das licitações da administração pública federal, sendo bastante previsível que as inúmeras cidades deficitárias da Federação deverão transpor grandes obstáculos para cumprir todas as novas diretrizes.

Uma constatação final sobre o que o futuro reserva à Nova Lei de Licitações é a do risco de os operadores do direito que a aplicarem virem a adotar um viés retrospectivo que crie uma “interpretação de retrovisor”, na qual se aplica à nova norma as mesmas interpretações que eram utilizadas na legislação do regime jurídico anterior. Não sendo uma norma propriamente disruptiva, é preciso extrair das diversas novidades trazidas pela nova lei todo o seu potencial e tentar modernizar e racionalizar ao máximo os processos de contratações públicas.

Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado, é especialista em Direito Público.

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