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Quando os Estados Unidos saíram do Iraque, em 2011, entregaram o Estado multiétnico desestabilizado pela invasão a Nouri Al-Maliki, principal líder xiita, que governou com base no sectarismo e na corrupção, provocando a raiva dos grupos sunitas, facilmente cooptados pelo Estado Islâmico (EI). O EI é produto de uma dissidência da Al-Qaeda no Iraque, que começou a ganhar contornos a partir de 2006, como "Estado Islâmico no Iraque" (EII), em base de rivalidade com a Al-Qaeda, o que a transformou em uma organização muito mais violenta. Em 2013, o então EII se transformou em Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Eiil) ou Estado Islâmico no Iraque e na Síria, conhecido na sigla em inglês como Isis (abreviação de "Islamic State of Iraq and Syria"), que somente em 2014 se divorciou definitivamente da Al-Qaeda e se tornou o atual EI.

O EI alimentou-se muito do caos na Síria, onde lutou contra Bashar Al-Assad, tomou cidades importantes e conseguiu enriquecer com fundos do Qatar e da Arábia Saudita, sequestro de ocidentais, pilhagem de bancos e contrabando de petróleo das refinarias pilhadas. Recentemente, o EI proclamou um califado em Mossul, controlando uma região entre o Iraque e a Síria, mais ou menos do tamanho da Bélgica. O EI persegue violentamente todos os que não são muçulmanos sunitas, como os xiitas, os cristãos, os yazidis ou aqueles que não respeitam as leis da sharia. O número de combatentes fanatizados do EI, de acordo com estimativas as mais diversas, está entre 10 mil e 50 mil – modesto em relação aos 250 mil soldados do caótico exército iraquiano. Os jihadistas são provenientes da Tchetchênia, França, Reino Unido e outros países, e o EI é acusado pela ONU de cometer crimes contra a humanidade.

Desde a decapitação do jornalista James Foley, parece que o EI desbancou a Al-Qaeda como a organização terrorista mais perigosa do mundo, e que pretende transformar-se em um Estado soberano, teocrático e totalitário. Entretanto, o EI não foi reconhecido por nenhum outro Estado da comunidade internacional.

Anteriormente, as visões da Al-Qaeda e do então Eiil divergiam, pois, enquanto aquela mantinha uma estratégia de jihad global, as ambições do Eiil eram estritamente regionais, mais especificamente a construção de um califado sunita abrangendo a Síria, o Iraque, a Palestina, a Jordânia e o Líbano, mediante obediência às regras da sharia. Parece, porém, que nos últimos dias o EI radicalizou a retórica antiocidental, e o califado aproximou-se da abordagem mais global da jihad.

A comunidade internacional apenas recentemente decidiu reagir. Em 15 de agosto, só quando as ações das companhias de petróleo começaram a despencar, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 2.170, condenando os atos terroristas cometidos pelo EI e pela Al-Qaeda no Iraque e na Síria, bem como quaisquer transações comerciais realizadas por eles, notadamente no setor petroleiro.

Essa inércia da comunidade internacional talvez tenha relação com o envolvimento norte-americano. Segundo revelações do site WikiLeaks, o governo dos EUA recusou ajuda ao governo da Síria para combater a Al-Qaeda e o Eiil, e também teria armado grupos opositores na Síria, que contribuíram para o fortalecimento do atual EI. Aliás, grande parte do armamento utilizado pelo EI teria vindo desses grupos armados pelos EUA e cooptados pelo autoproclamado "califa" Abu Bakr Al-Bagdadi. Há, no mínimo, uma suspeita de que o EI resulte da estratégia norte-americana de projetar sua área de influência no mundo petroleiro por meio de fundamentalistas islâmicos. E há também o temor de que a comunidade internacional assista inerte às barbáries do EI, como fez em 1994 durante o genocídio ruandês.

Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora de Direito Internacional da UFPR.

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