Durante o período eleitoral eu até me encolho quando vejo os candidatos comendo frango frito ao lado de um frasco de pimenta no Harlem ou tirando fotos estudadas com líderes negros. Esses gestos simbólicos, tão rasos, não substituem o engajamento sério com o eleitor negro. E os políticos deveriam saber que não nos deixamos enganar por atos assim.
Os candidatos em campanha se sentem à vontade para falar aos negros, mas poucos se dirigem diretamente a nós. Isso limita nossa capacidade de influenciar suas decisões e políticas – o que é uma péssima estratégia num momento em que as pessoas de cor, e as mulheres negras em particular, formam a base do Partido Democrata, são seus eleitores mais leais e mobilizam outras pessoas a votar.
É por isso que, em 2018, comecei o Black Census Project, cujos resultados foram divulgados em 28 de maio. Mais de 31 mil pessoas de todos os 50 estados participaram do que acredito ser a maior pesquisa independente com/sobre negros já conduzida nos EUA.
Minha organização e nossos parceiros treinaram mais de cem organizadores e trabalharam com cerca de trinta instituições de base; investimos mais de US$ 500 mil para que chegassem aos negros, geralmente preteridos nas pesquisas tradicionais e na política em geral.
São poucos os candidatos que nos tratam como se nossas diferenças e experiências fossem importantes
Nosso objetivo era provar que eles não são uma coisa só, que são diversos e têm todo tipo de experiências. Conversamos com negros da cidade e do campo; negros que nasceram nos EUA e os que migraram para cá; negros que se identificam como lésbicas, gays e bissexuais; negros que são transgêneros e de gênero inconforme; negros liberais e conservadores; negros que já estiveram ou estão presos.
Nossa previsão de que haveria respostas diferentes entre negros de diferentes idades, localizações e estruturas familiares se confirmou; nem todo mundo é afetado da mesma forma pelas questões que todos enfrentamos. A necessidade de um sistema de saúde adequado, por exemplo, é mais urgente entre os negros do Alabama, onde os políticos republicanos estão bloqueando a expansão do Medicaid.
Entretanto, o que mais nos surpreendeu foi perceber como são poucos os candidatos que nos tratam como se nossas diferenças e experiências fossem importantes. Aqui estão nossas conclusões:
– A constatação mais comum entre os mais engajados politicamente foi a de que nenhum político ou pesquisador jamais lhes perguntou como levavam a vida. Cinquenta e dois por cento dos entrevistados afirmaram que os políticos não se importam com os negros; 33, que se importam muito pouco.
– Entretanto, isso não afeta nossa participação política: quase 75% dos entrevistados disseram ter votado nas eleições presidenciais de 2016, e 40% afirmaram ter ajudado a registrar outros eleitores, dado carona a alguém até o local de votação, feito doações a algum candidato ou distribuído material promocional. Sessenta por cento das mulheres entrevistadas se disseram eleitoralmente engajadas. Essas respostas derrubam o mito de que as comunidades negras não votam – na verdade, não só o fazemos como levamos outras pessoas conosco.
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– As comunidades negras, e em especial as mulheres negras, serão imprescindíveis na escolha do próximo presidente. Quase 60% dos entrevistados são mulheres, e quase metade vive no Sul.
– Queremos as coisas que todo mundo merece. Noventa por cento dos entrevistados, por exemplo, disseram que um dos maiores problemas que enfrentam é o salário, baixo demais para sustentar uma família; entre os engajados politicamente, esse número sobre para 97%.
As questões mais importantes para os entrevistados foram as mesmas enfrentadas pelo resto do país, ou seja, baixos salários, falta de qualidade do serviço público de saúde, moradia de qualidade inferior, os custos cada vez mais altos da educação superior e as regras diferentes para os ricos e os pobres. É claro que a maioria dos norte-americanos enfrenta essas dificuldades, mas, para as comunidades negras, elas são ainda mais acentuadas.
Para cada dólar que o homem branco ganha, por exemplo, a mulher negra recebe apenas 65 centavos; já a mulher branca ganha 82. As famílias negras compõem grande parte daqueles que recorrem aos programas de assistência de moradia pública, que têm pouca verba e não contam com uma gestão decente. E há o custo médio do curso nas universidades públicas, que fica em aproximadamente US$ 14 mil por ano, totalmente fora de questão para muitas famílias de cor cuja renda familiar média é de US$ 40 mil por ano e cujo patrimônio não passa de US$ 16 mil.
Para superar esses desafios, os entrevistados sugerem elevar o salário mínimo para US$ 15 por hora, tornar a educação superior acessível para quem quiser cursá-la e exigir que o governo forneça assistência médica e moradia adequada para todos. A grande maioria quer ver os ricos e as corporações pagando impostos proporcionais a seus ganhos/bens.
Esses resultados podem não surpreender os mais antenados; surpreendente, no entanto, é ver como tão poucos candidatos abordam as questões que afetam as comunidades negras ou tentam conquistá-las.
Basta lembrar que, dos primeiros US$ 200 milhões gastos pelos grupos independentes de tendência esquerdista na campanha presidencial de 2016, nem um único centavo foi usado para a mobilização dos eleitores negros. Na Califórnia, onde vivo, o Partido Democrata teria levantado US$ 30 milhões nas últimas eleições, mas gastou apenas US$ 50 mil com o engajamento do eleitor negro.
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Em vez disso, prefere gastar tempo, dinheiro e energia identificando e adulando o eleitor branco moderado, que já é volúvel em relação aos políticos e seus partidos. Há tempos os democratas apostam nessa estratégia, e continuaram a insistir nela após as eleições de 2016, quando os analistas proclamaram que a atenção excessiva da esquerda à "política de identidade" levou os eleitores brancos para o lado republicano.
No entanto, esses eleitores estão encolhendo e envelhecendo, enquanto as comunidades de cor estão crescendo e ficando mais jovens. Não faz sentido aplicar recursos excessivos para o apaziguamento dos medos de um grupo envelhecido, cada vez menor, que tem receio das mudanças demográficas e ignora que as políticas que "içam barcos, afundando os mais rápidos" vão afetá-los da mesma forma. A atitude democrata prejudica todo mundo, inclusive o eleitor branco de classe operária e média que quer mudanças – e tampouco é uma estratégia vitoriosa de um partido que se diz defensor do progresso.
Campanhas que não compreendem ou não tentam remediar a forma como o racismo estrutural prejudica a vida dos negros estão fadadas ao fracasso. Sem essa análise, suas soluções vão errar feio o alvo em relação ao eleitor negro.
Há quem diga que a política é um toma lá dá cá, mas essa máxima não vale para o eleitor negro. Nosso comparecimento nas eleições intermediárias de 2018 aumentou quase onze pontos percentuais em relação a 2014, e os eleitores tiveram à sua escolha a seleção mais diversa de que se tem registro.
A verdade é que, se os candidatos abordarem as necessidades e preocupações das comunidades negras, os benefícios alcançarão todos os norte-americanos.
O Black Census Project, com recursos infinitamente menores que qualquer partido político, teve um alcance independente entre os negros como nunca se viu. Os candidatos que querem o voto dos negros têm de fazer o mesmo.
Alicia Garza é a fundadora e diretora do Black Futures Lab, diretora de estratégia e parcerias da National Domestic Workers Alliance, uma das fundadoras da Black Lives Matter Global Network e do Supermajority, centro coordenador para o ativismo feminino.
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