Uma proposta da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) veiculada pelo portal E-cidadania (que permite a sugestão de propostas aos senadores, se obtiverem 20 mil assinaturas) pretende revogar a alínea “b” do inciso VI do artigo 150 da Constituição, que proíbe a instituição de impostos sobre “templos de qualquer culto” – a chamada “imunidade tributária religiosa”.
O propósito deste artigo não é analisar os argumentos contrários ou favoráveis a essa proposta, mas apenas a sua possibilidade jurídica. E, no âmbito estritamente jurídico, a proposta é impossível. Mais ainda: ela não pode nem mesmo ser discutida pelo Senado.
Acontece que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto está na Constituição por um motivo: o constituinte quis assegurar que os tributos não fossem utilizados para perseguir religiões discordantes do “poder oficial”, ou ainda para favorecer uma religião por meio de incentivos fiscais. A imunidade tributária religiosa, portanto, é uma dupla garantia à liberdade religiosa: evita represálias e também incentivos.
A imunidade tributária é uma dupla garantia à liberdade religiosa: evita represálias e também incentivos
O Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a guarda da Constituição (art. 102 da CF), já definiu que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto tem como objetivo assegurar a liberdade religiosa: “uma das formas que o Estado estabeleceu para não criar embaraços à prática religiosa foi outorgar imunidade aos templos onde se realizem os respectivos cultos. Nesse sentido, estamos a falar em imunidade tributária com o intuito de não criar embaraços à liberdade de crença religiosa” (Recurso Extraordinário 562.351/RS, relator ministro Ricardo Lewandowski).
Se a imunidade tributária dos templos está ligada diretamente à liberdade religiosa, um direito fundamental assegurado pelo art. 5.º, inciso VI da Constituição (“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”), então esta imunidade tributária é também uma cláusula pétrea constitucional.
As cláusulas pétreas são aqueles dispositivos da Constituição que jamais podem ser abolidos, entre os quais estão os direitos individuais. Importante perceber que o artigo 60, parágrafo 4.º da Constituição, que enumera estas cláusulas, não permite nem mesmo que sua abolição seja meramente deliberada. Quer dizer, a própria proposição e discussão de uma emenda tendente a abolir direitos individuais é proibida: “Art. 60, § 4.º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais”.
Como a Constituição proíbe a mera discussão, qualquer parlamentar poderia impetrar um mandado de segurança no STF exigindo que a deliberação dessa proposta no Senado seja impedida (direito reconhecido pelo STF no MS 24.642 DF).
Do ponto de vista estritamente jurídico, portanto, a proposta da Atea não é possível (nem sequer de ser discutida) por contrariar uma cláusula pétrea constitucional.
É curioso a associação afirmar que essa imunidade tributária contraria a laicidade do Estado: ela surgiu exatamente por causa da separação entre Igreja e Estado, na proclamação da República (Constituição de 1891, art. 11, n. 2.º). Falta à proposta possibilidade jurídica, mas também conhecimento de história.
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