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Nos últimos anos, temos visto em nosso país uma tentativa maniqueísta de partir a sociedade entre “nós” e “eles”. O afastamento entre bem e mal, bom e ruim, criou uma realidade ilusória em diversos setores. Na saúde, essa dualidade se materializa na ruptura entre público e privado. O que isso significa? Que existe um embate ideológico entre grupos que pensam que a saúde, para ser boa e adequada, deve ter origem pública e estatal. Outros defendem que a assistência apropriada só pode ser privada e privatizada.

Aparentemente, ambos os julgamentos sustentam enganos. A sociedade caminha para um ambiente em que projetos e propostas colocam o cidadão no centro das intenções e das atenções. Assim, não importa a natureza da prestação do serviço, desde que exista um ambiente de acolhimento, qualidade, equidade e honestidade. A palavra-chave para isso é integração entre o público e o privado, capaz de promover o intercâmbio de experiências de gestão, redução de esforços duplicados, racionalização dos recursos disponíveis e alinhamento do nível de qualidade dos serviços.

Quando o Estado fizer valer o direito à saúde como um bem fundamental do cidadão as barreiras se quebrarão

Não se trata de utopia, mas um caminho que já demostrou ser viável em algumas experiências bem-sucedidas. O Estado, quando responsável pelo financiamento da assistência a camadas menos privilegiadas da população, tem a incumbência de regular e checar os resultados dessa atividade. Mas não deve, necessariamente, gerir os serviços. Essa distinção explica outra confusão comum: a operação da saúde pública não precisa ser estatal. O fundamental é que a garantia dos padrões adequados de atendimento norteie o sistema.

Existe no Brasil o mito, ou o devaneio, de que a assistência privada é superior à pública. E de onde vem essa mentalidade? Da constatação de que o agente público prestador do serviço muitas vezes não consegue manter parâmetros assistenciais independentes de orientações ideológicas. Muitas vezes, coloca-se em primeiro lugar na defesa de suas vontades e necessidades e, com isso, alimenta a deficiente percepção sobre quem é, de fato, o cliente.

A segregação entre “nós” e “eles”, entre saúde pública e privada, evidencia apenas uma verdade: as lacunas de gestão são mais acentuadas, em geral, no primeiro segmento. O setor privado tem demonstrado maior flexibilidade, não só na área de saúde, mas em todas as que exigem maior atenção em recursos humanos, investimento em infraestrutura e gestão. Mas, enquanto estivermos nesse embate político, a população que depende dos serviços públicos continua na fila do pronto-atendimento. Somente quando o Estado fizer valer o direito à saúde como um bem fundamental do cidadão é que as barreiras – ideológicas, territoriais ou tecnológicas – se quebrarão. E já não existirá mais “nós” e “eles”.

Francisco Balestrin é presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
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