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Opinião do dia 1

O recado de Marcola

O problema da democracia brasileira é que ela resume-se ao calendário eleitoral. Cumprem-se prazos, obedecem-se aos ritos, processam-se as trocas e estamos conversados. Nos intervalos, guarda-se a democracia no armário e toca-se a carroça política como se o estatuto da representação não existisse.

O quadro é decididamente medíocre: nada a ver com os atributos dos protagonistas, mas com a percepção mesquinha e antidemocrática de que o processo de mudanças só pode ser acionado pelas teclas das urnas eletrônicas e, portanto, só deve funcionar de dois em dois anos. Nos intervalos, a partilha do botim e a siesta. Ou vice-versa.

Neste exato momento, a única coisa que parece importar é a formação de chapas e coligações. A energia é liberada apenas na direção de parcerias e cumplicidades. Não há propostas em discussão, evaporaram-se as idéias, nesta gigantesca ilha manda um Robinson Crusoé inebriado pela sua capacidade de sobreviver aos naufrágios e impedir que algo de novo seja inventado.

Nossos utopistas aposentaram-se e os delirantes aceitaram submeter-se a um tratamento com Prozac – para não incomodar nem serem incomodados. Como se a nossa celebrada criatividade estivesse em quarentena ou simplesmente seqüestrada pelo bando de Marcola.

A quatro meses das eleições – momento supremo do sistema democrático – não há idéias em circulação, portanto não há debates. Apenas cotoveladas. Que a imprensa, transformada em moça de recados, leva e traz obediente. Como se o cidadão brasileiro estivesse abastecido de opções e a sua capacidade de sonhar, plenamente alimentada. Como se os representantes deste cidadão estivessem vocalizando todas as suas necessidades e viabilizando todos os projetos capazes de minorar suas angústias.

Já foi dito aqui: o único fato novo no cenário político brasileiro é Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. O narcoterrorista foi o responsável pela maior agressão ao Estado brasileiro desde o golpe de 1964 e até agora não apareceu nenhum político capaz de compreender a dimensão e o real significado do motim que comandou.

Marcola assemelha-se ao banqueiro Daniel Dantas, a diferença é que um está no xilindró e outro ainda não. Ambos mandam e desmandam, mantêm todos os controles, alcançam todos os recantos, fazem o que querem desta pobre república, supostamente democrática, teoricamente forte porém incapaz de defender-se.

Marcola continuará no presídio de segurança máxima, guardado a sete chaves, porém perfeitamente aparelhado para acionar outro motim de grandes proporções contra o Estado de Direito e a segurança de milhões de cidadãos. A ele poderia ser conferido o título de Inimigo Público n.º 1 mas, neste caso, o joguinho rasteiro das eleições teria que sofrer mudanças. Isso ninguém quer.

A sociologia tipo country-club ensaiada pelo governador Cláudio Lembo depois da trágica segunda-feira, 15 de maio, prefere considerar Marcola com um acidente para não ser obrigada a encará-lo como uma nova realidade política.

Um Pacto Nacional contra o Crime Organizado além de oferecer ao cidadão aquele mínimo de proteção e injetar um pouco de bravura neste ambiente emasculado, provocará fatalmente uma re-arrumação na paróquia política neste momento mais assanhada com 2010 do que com 2006.

Conseguimos o milagre de construir uma democracia baseada apenas num calendário eleitoral e, assim, foram para as calendas o espírito e a dinâmica democrática. Com partidos fragmentados e lideranças inseguras, situação e oposição são meras formalidades. Ninguém está interessado em correr mais riscos, acrescentar incertezas à loteria eleitoral.

O bandido Marcola ofereceu uma excepcional oportunidade para que nossos líderes despertem do faz-de-conta em que estão enfiados. Seus celulares estão bloqueados, não captaram a mensagem.

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