As circunstâncias políticas vivenciadas pela população do Paraná, com as denúncias da série de reportagens "Diários Secretos", re­­velam a necessidade de se aprovar uma lei que institua o recall, também conhecido como revogação de mandato de ocupantes de cargos públicos mediante consulta popular. Esse instrumento de de­­mocracia direta existe em países como Estados Unidos e Suíça. Por meio dele, políticos inoperantes, incompetentes ou corruptos podem ser removidos do cargo que ocupam antes do término do mandato. É uma forma de os cidadãos poderem demonstrar que não estão satisfeitos com seus representantes, algo que seria muito apropriado neste momento.

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A Assembleia Legislativa do Paraná convive há mais de 100 dias em uma crise sem precedentes, sem dar até o momento uma solução satisfatória para as notícias de desvio de recursos públicos para contas de funcionários fantasmas que, segundo o Ministério Público, podem ultrapassar R$ 100 milhões. O Mi­­nistério Público estadual pediu à Justiça que os de­­putados Nelson Justus (DEM) e Alexandre Curi (PMDB) fossem afastados, respectivamente, da presidência e da primeira-secretaria, por considerá-los coniventes com as irregularidades praticadas no Legislativo, embora não haja indícios de que tenham se apropriado de recursos públicos. O Poder Judiciário, en­­tretanto, entendeu que afastá-los da direção seria uma interferência indevida, já que foram eleitos por seus pares e somente por eles poderiam ser retirados da Mesa Diretora.

De forma semelhante, no Senado, o escândalo dos atos secretos não trouxe consequências mais sérias ao presidente daquela Casa, o senador José Sarney. O Senado utilizava atos secretos para nomeação de parentes e aliados políticos e criação de regalias para funcionários e senadores. Apesar das denúncias de irregularidades, Sarney se manteve no comando do Senado sem maiores problemas. In­­vestigações foram abertas pelo Ministério Público federal, mas uma resposta da Justiça para o caso pode demorar anos.

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No Brasil, os envolvidos em escândalo não renunciam a cargos ou se afastam de funções de direção, como é frequente de se observar em países europeus. Ao contrário, parecem entender que permanecer em seus cargos torna mais fácil neutralizar denúncias contra si. Como os trâmites judiciais para o afastamento de políticos são demorados, parece lógico conferir esse poder de decisão ao próprio povo. A legitimidade dos mandatos reside no voto popular, e, respaldada nela, a sociedade poderia definir por meio do recall se um político eleito deveria ou não continuar no cargo, caso não correspondesse minimamente às expectativas que lhe fossem depositadas.

Para se iniciar um processo de recall, geralmente é necessário o recolhimento de assinaturas de um porcentual mínimo do eleitorado. Depois, verificadas as assinaturas por amostragem estatística, uma espécie de "eleição às avessas" ocorre, com os eleitores indo às urnas para dizer se desejam que o político alvo da consulta permaneça ou não no cargo.

Exemplo recente de uso do recall nos Estados Unidos ocorreu em 2003, quando o então governador da Califórnia, Grey Davis, teve o mandato revogado pelo voto popular. No lugar dele foi eleito Ar­­nold Schwarzenegger.

Evidentemente, a introdução de um sistema de revogação de mandatos no Brasil pode trazer uma série de repercussões indesejadas. A sua implantação implica gastos de recursos públicos. O seu uso irresponsável pode gerar distorções e punir injustamente. Contudo, se bem utilizado, o recall poderia trazer outros benefícios além de retirar os maus elementos da política. Poderia levar políticos eleitos a terem mais responsabilidade por seus atos. Traria aos cidadãos uma razão para ficarem informados sobre temas da vida pública. Poderia, até mesmo, melhorar o nível de envolvimento dos cidadãos com o trato da coisa pública. Entretanto, há quem acredite que o recall só seria possível num contexto de reforma política mais ampla.

Pelo menos uma proposta de emenda constitucional (PEC n.º 73/2005) que prevê o recall está em trâmite no Senado. A revogação popular de mandatos eletivos vem sendo defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil e está inserida dentro de suas propostas para a reforma política brasileira. Seria uma excelente contribuição de nossos senadores, assim como de nossos deputados federais, se congregassem esforços em favor da aprovação da PEC ou em favor de uma reforma política ampla que contemplasse a revogação de mandatos pelo voto popular. Seria igualmente saudável se a sociedade reivindicasse sua aprovação.

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Rhodrigo Deda é advogado e jornalista. E-mail: rhodrigodeda@gmail.com.