No transcorrer do segundo turno das eleições para a Presidência da República, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ocupou o palco principal da cena política do país ao adiar a divulgação de estudos contendo estatísticas sociais, sob a alegação de restrições impostas pela legislação eleitoral, mesmo com a manifestação de argumentos contrários, levantados por especialistas na matéria, o que oportunizou especulações de que o órgão estaria procurando ocultar informações de caráter inoportuno aos interesses do governo naquele momento.

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O episódio produziu inclusive pedidos de exoneração de alguns técnicos envolvidos na pesquisa, que, na visão da instituição, não teriam sido suficientemente convincentes para provocar a revisão de postura da diretoria do Ipea, no sentido da disponibilização imediata do trabalho à sociedade e da inevitável repercussão junto aos formadores de opinião.

Com a atualização da base de dados da entidade (Ipeadata), no fim de outubro de 2014, depois do desfecho do ciclo eleitoral, pode-se constatar, a partir de cálculos estatísticos apoiados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o aumento da extrema pobreza no Brasil entre 2012 e 2013, revertendo a marcha cadente observada por uma década.

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Mais especificamente, o grupo de miseráveis ou indigentes, que abrange as pessoas com renda média mensal inferior a R$ 77, conforme critério empregado pelos programas Bolsa Família e Brasil Sem Miséria, passou de 10,081 milhões em 2012 para 10,452 milhões em 2013 – o equivalente à população de Portugal, por exemplo, e representando acréscimo de 3,68%.

Do ponto de vista estatístico, a elevação do número pode ser atribuída à correção oficial do piso dos rendimentos para o estabelecimento da linha de corte da miséria de R$ 70 para R$ 77, considerando a corrosão do poder de compra dessa categoria social pela escalada inflacionária verificada desde 2009. Frise-se que, por tal procedimento, a atualização deveria ser de 35% e não de 10%, o que elevaria o patamar divisório entre pobres e miseráveis para cerca de R$ 95 e, consequentemente, o contingente de indigentes. O cálculo teria como base a variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pelo IBGE para uma cesta de produtos consumidos por famílias com rendimento mensal entre um e cinco salários mínimos.

Porém, a explicação da colheita de um resultado tão adverso não deve ficar presa a uma mera flutuação estatística dentro da margem de erro, como quer o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), provavelmente ainda impregnado de espíritos eleitorais, ou da aplicação de critérios distintos por diferentes entidades de pesquisa, como defende a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República para, ao fim, concluir que tudo vai bem.

Na verdade, as informações sugerem a exaustão do esforço de minimização da miséria, apoiado em iniciativas oficiais de transferência de renda, lideradas pelo programa Bolsa Família, e no fortalecimento do mercado interno, via recuperação da capacidade aquisitiva do salário mínimo e impulsão da geração de postos de trabalho com carteira assinada, concentrada nas faixas de menor remuneração.

O decréscimo estrutural da miséria no Brasil depende menos de medidas cosméticas, pontuais e sensíveis ao ciclo econômico e fiscal, e mais de ações focadas no aprimoramento da macroeconomia e do clima de negócios – o que impulsionaria o investimento e a produtividade – e inversões na área de educação, mais abrangentes do que o simples incentivo à formação técnica e a vinculação da receita potencial do pré-sal.

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Gilmar Mendes Lourenço, economista, é diretor-presidente do Ipardes e professor da FAE.

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