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Talvez todos os médicos, a começar por Hipócrates, se creem imortais. Pode ser que esta seja uma forma de se libertar do que, em realidade, é apenas o medo que carregam consigo. Sabem que um dia ou outro poderá chegar a sua hora: pode ser por um acidente vascular cerebral (AVC), um infarto ou um câncer. Conhecem os problemas, como eles se formam e onde eles estão localizados. Exatamente por isso buscam se vacinar contra eles. E, como é notório: quem está habituado a tratar tem enormes dificuldades para aceitar seu papel como paciente.

Gianni, como se vê e como se sente hoje, treze anos após o AVC? Como o veem os outros, os amigos, os colegas e as pessoas que encontra? Certamente perdeu parte de sua liberdade. Refere, por exemplo, que não poder ler ou escrever autonomamente é um castigo insuperável.

Já Cícero, por outro lado, três anos após um câncer de pâncreas, ainda se encontra acompanhado do fantasma que convive com todos os pacientes oncológicos (inclusive os seus): o medo da recidiva.

No destino de suas vidas, após anos de batalha contra o câncer, estava escrito que era necessário combater também em outro front, por outra medicina: aquela onde o médico está realmente próximo ao paciente e este conta mais do que os tratamentos por ele prescritos.

A medicina se modificou no curso dos séculos e de um certo ponto de vista também se modificaram as doenças. Hoje o médico tem a disposição um vasto campo de tratamentos farmacológicos e os cirurgiões ficaram mais audazes em suas técnicas. Avanços tecnológicos importantes que, entretanto, criaram também alguns mitos e ilusões. Ao médico, o mito de ter se tornado onipotente. Ao público, a ilusão de que para cada doença exista um remédio para curar.

A medicina moderna deve, entretanto, se tornar uma medicina humana. E é isso o que devemos ensinar a todos aqueles que enchem as salas das nossas universidades para se tornar médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos ou farmacêuticos. No curso dos seus estudos, devemos prepará-los pessoalmente em todos os períodos de sua formação. Ensinar sempre: nos ambulatórios, nas salas de visita e à beira do leito. Ensinar, sobretudo, com o exemplo e com os gestos cotidianos de nossa profissão – não a compaixão apenas pelo doente grave, mas a empatia por todos os doentes. E o que se entende por empatia? A emoção quase mágica do médico e a sua capacidade de demonstrar uma participação genuína nas reações emotivas dos pacientes. O médico verdadeiro, creiam, deve aprender a pensar como se fosse paciente.

Não devemos apenas saber nos comunicar de modo adequado com os nossos pacientes. Devemos também saber informar corretamente aos jornalistas, que são aqueles que difundem em público os resultados de nossas pesquisas. Evitar deixar que em suas notícias possam parecer resolvidos todos os grandes problemas das doenças crônicas, ou mesmo o sensacionalismo fácil em anúncios de pesquisas de laboratório que ainda não passaram para a clínica.

Então qual é o verdadeiro papel do médico? Um antigo ditado francês diz que é preciso tratar com frequência, curar às vezes e consolar sempre. O médico, neste contexto, é aquele que socorre o paciente, prevenindo ou retardando uma morte prematura, mas não é necessariamente aquele que cura o doente. Com isso, o médico que é chamado a tratar uma pessoa que sofre, independente de qual seja a sua doença, não deve se sentir obrigado a atingir a cura definitiva. Apesar de esta ser parte importante de uma imagem de sucesso profissional. A sua missão consiste sobretudo em empenhar-se sempre, com o seu conhecimento e a sua prática. Se isso resultar em cura, tanto melhor: para o paciente e para ele. Mas deve sempre conservar como fundamento ético o seu papel técnico associado ao seu carisma humano, isto é, a sua dignidade profissional, independente do resultado final.

Hoje, mais do que nunca, o relacionamento médico-paciente é uma relação dinâmica entre duas pessoas onde o especialista socorre aquele que está mal. A partir do momento em que os tratamentos clínicos, cirúrgicos e radioterápicos se apoiam em dois pilares – o conhecimento científico e o humanismo – o médico coloca à disposição do paciente o próprio saber e habilidade sob a forma de intervenção ativa e de compreensão humana. É como se, enquanto combate com o bisturi, com os fármacos ou com as radiações o mal físico, devesse também ajudar o doente a "reconhecer o sentido real de sua doença". Então, dentro dessa perspectiva, quem realmente é o bom médico? Aquele que merece a confiança do seu paciente.

É, portanto, indispensável equilibrar a ciência da saúde com a recuperação da arte de curar. A arte da Medicina é uma combinação de conhecimento, intuição e julgamento. Assim, a Medicina é uma arte que não tem mais fim.

Gianni Bonadonna, chefe Emérito do Departamento de Oncologia Médica do Istituto Nazionale per lo Studio e la Cura dei Tumori, em Milão, é presidente da Fundação Michelangelo Onlus Milano

Cícero Urban, cirurgião oncológico e mastologista da Unidade de Mama do Hospital Nossa Senhora das Graças, é professor de Bioética e Metodologia Científica do Curso de Medicina e da Pós-Graduação na Universidade Positivo

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