Como refletido pela proposição de um novo acordo por parte do governo grego comandado por Alexis Tsipras, e a consequente reação positiva dos mercados ao redor do mundo, a vitória do “não” no plebiscito grego do início de julho fora apenas mais um capítulo na epopeia entre Grécia e União Europeia, minuciosamente escrita a partir de 2008. Entretanto, pouco se fala sobre um importante detalhe que acompanha essa tragédia desde sua formação: o risco moral (moral hazard), cuja importância cresce na medida em que a saída da Grécia da zona do euro torna-se uma alternativa real. Neste momento, a menor exposição de bancos à estrondosa dívida grega faz com que o verdadeiro minotauro (para não perder a chance de recorrer à mitologia) oriundo da saída do país da zona monetária encontre-se no espectro moral, e não financeiro. Vejamos o porquê.
Tudo começou com a ampliação da zona do euro. De modo a garantir a convergência macroeconômica entre os países da união monetária, estipulou-se a obrigatoriedade de um déficit nominal que não ultrapassasse 3% do PIB, além da manutenção da taxa de relação dívida/PIB não maior que 60%. Entretanto, mesmo sem atingir tais pré-requisitos macroeconômicos, alguns países foram aceitos na eurozona sob a promessa de que fariam suas economias convergirem para os níveis estipulados pela Comissão Europeia.
O desequilíbrio das contas públicas gregas era visível anos antes da crise
- Impasse grego (editorial de 10 de julho de 2015)
- Um plebiscito contagioso (artigo de Eric Gil Dantas, publicado em 12 de julho de 2015)
- O início do fim do euro (artigo de Raphael Cordeiro, publicado em 26 de abril de 2015)
- Tragédia grega (artigo de Ronald Hillbrecht, publicado em 28 de junho de 2015)
Foi aí que a epopeia grega começou a ser escrita, uma vez que o país nunca chegou nem perto disso e, com a crise de 2008, distanciou-se ainda mais, chegando ao incrível déficit anual de 15% do PIB em 2009. É importante destacar que o desequilíbrio das contas públicas gregas era visível anos antes da crise, bastando um par de olhos um pouco mais atentos; porém, o status de membro da eurozona permitia à Grécia se financiar (e refinanciar) em bancos alemães e franceses, com grande facilidade e a juros continuamente baixos. Essa dinâmica permitiu o desenvolvimento de uma estrutura cada vez mais inchada de gastos públicos que, aliada a uma baixa receita orçamentária, gerou persistentes déficits fiscais ao longo de vários anos.
Neste contexto, o conjunto de decisões tomadas pelos líderes da União Europeia pode gerar uma reação em cadeia envolvendo países que também passam por ajustes econômicos impostos pelo FMI e pelo Banco Central Europeu – membros da famosa Troika.
Ao perceber que nem o tamanho da dívida grega, nem a recusa perante as condições dos credores, nem um plebiscito (com vitória do “não”) por parte de um governo de esquerda fizeram com que a Grécia de fato perdesse a posição de membro da união monetária, países com problemas similares (e economias de maior peso, como Itália e Espanha) podem concluir que são “muito grandes para quebrar”, e serão socorridos pela Troika independentemente de suas decisões econômicas contrariarem recomendações do BCE e da Comissão Europeia.
Enfim, enquanto todos esperam que um acordo capaz de agradar a gregos e “troikanos” seja o fim dessa tragédia, a verdadeira tarefa de Sísifo será estancar a ferida institucional aberta com o risco moral da situação grega.