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Qual seria, então, o sucedâneo a levantar-se? Qual seria o ocupante, na sociedade, do papel já perfunctório que esta dá à religião?

O fenômeno da conversão a uma religião é conhecido por quase todos. Primeiro vem a alegria da descoberta, e depois vem a busca da conversão dos que não aceitam aquela verdade descoberta.

Normalmente, a verdade descoberta é a afirmação de algo: a existência de Deus, Sua revelação aos homens, e um modo de viver a vida e de interpretar a realidade como estando inserida em uma ordem maior, sobrenatural. Hoje vemos, no entanto, a ascensão de uma religião baseada na negação, não na afirmação. O ateísmo militante, que cada vez mais ganha fôlego em uma pequeníssima – ainda que ruidosa – parcela da população, tem como verdade revelada a inexistência de verdades reveladas; como divindade, tem a negação da existência de uma divindade; como modo de interpretação da realidade, um apelo ao acaso.

O proselitismo dos adeptos da religião da negação da religião, todavia, nada deixa a desejar em relação ao dos que pregam uma religião mais "normal". Cartazes em ônibus, livros, discursos, reuniões... Não duvido que em breve venhamos a ter duplas vestidas com roupas sóbrias batendo de porta em porta tentando convencer os moradores de que não há Deus e Ele não revelou nada.

Não é a primeira vez que surge uma religião sem Deus: o comunismo, o positivismo e outras modas do começo do século passado já passaram pelo mesmo fenômeno. A diferença maior do fenômeno atual é a ênfase na negação: enquanto o comunista ou o positivista pregavam um futuro grandioso em que o homem seria finalmente a medida real de todas as coisas, enfatizando as fases por que passaria a humanidade em sua evolução sem deus, os ateus militantes de hoje pregam apenas que não há Deus, que não há um estado correto das coisas ou um comportamento das pessoas por Ele desejado. Aqueles faziam da História um deus; estes fazem da História uma sucessão de acontecimentos sem sentido.

Não há aqui espaço para discorrer sobre os perigos desta visão, sobre como esta negação de uma ordem maior tende a tornar qualquer sistema ético uma mera convenção social, a ser abandonada quando não for útil ou expediente. Roubar ou matar passam a ser algo mau apenas devido à chance de ser preso (que não é muita, na nossa sociedade atual), e por aí vai.

O perigo maior, contudo, é quando o proselitismo desta religião da negação do fenômeno religioso tenta fazer dela uma religião de Estado. Tal como na Arábia Saudita, em que são proibidas manifestações de fé não-muçulmana por ser aquele território sagrado ao Islã, tal como na gigantesca mesquita construída sobre o templo judaico, em Jerusalém, onde pela mesma razão orações judaicas são proibidas, o ateísmo militante pretende, à moda do extremismo islâmico, coibir ao máximo quaisquer manifestações públicas de fé diversa.

Ao contrário dos islamistas, contudo, não se defende uma afirmação. Os ateus militantes não querem que todos digam que a álgebra é o único deus e Carl Sagan é o seu profeta. Não se trata de colocar o Corão no lugar onde estava o Crucificado. Trata-se, ao contrário, de eliminar do espaço público qualquer menção a qualquer religião, fazendo do vazio que pregam o ocupante único do espaço público. A religião, defendem, passaria à categoria de mau hábito pessoal, de algo que não é de bom tom expressar em público: um arroto.

Qual seria, então, o sucedâneo a levantar-se? Qual seria o ocupante, na sociedade, do papel já perfunctório que esta dá à religião? Não é humanamente possível que uma pregação negativa venha a servir de esteio ético e moral à sociedade; algo há de surgir. O candidato maior é hoje o extremismo ecológico, que vê a Terra como "Gaia", um ser vivo, e o homem como uma praga que arrisca matá-la.

De Deus nos céus, passa-se a adorar a Terra em que se pisa. O Homem, de imagem e semelhança do Criador, passa a ser o câncer, a praga a destruir a nova divindade. Enquanto o ateísmo militante é apenas uma pitoresca novidade, podemos rir. Mas devemos cuidar para que seus adeptos não consigam, distorcendo a noção de Estado laico, fazer dela a religião oficial.

Carlos Ramalhete é filósofo e professor.

carlosgazeta@hsjonline.com

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