Como não poderia deixar de acontecer, começa a busca pelos motivos para as manifestações populares dos últimos dias que se espalharam pelo país inteiro e já mobilizam milhões de pessoas. Parece cada vez mais claro que ninguém está nas ruas apenas para conseguir dez ou 20 centavos de redução do custo das passagens de ônibus e metrôs. Na realidade, as atuais manifestações representam a mais importante e ampla demonstração de repúdio popular às práticas escandalosas e debochadas que emporcalham a vida cívica brasileira de toda a nossa história. É um rugido surdo que sobe das ruas em que vive o Brasil real.

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Existe uma diferença fundamental de foco em relação a outras grandes mobilizações populares do passado: o movimento das Diretas Já tinha como objetivo básico a restauração do direito de votar, usurpado da população durante 20 anos; o Fora Collor! mobilizou milhares de pessoas para mostrar seu repúdio à forma de governar do então presidente. No caso atual, a característica dominante das atuais manifestações é não ter foco, expressa na multiplicidade dos inconformismos: inconformismo com a corrupção desenfreada e cada vez mais ostensiva que transformou Brasília na Meca dos "escritórios de advocacia administrativa" e de lobbies agindo com descaramento na compra e venda de favores oficiais; inconformismo com a desenvoltura indecente das Erenices Guerras, Rosemarys Noronhas e Josés Dirceus capitaneando alegremente empresários em busca de favores, vantagens e atalhos obscuros e malcheirosos em seus relacionamentos com o governo; inconformismo com um Congresso desmoralizado dirigido por figuras à altura dessa desmoralização: um Renan Calheiros que foi enxotado moralmente pela população que coletou 1,7 milhão de assinaturas pedindo que ele não reassumisse a presidência do Senado (de onde saiu porque pagava as contas de sua teúda e manteúda com dinheiro de empreiteira de obras públicas). E, por que não, com os senadores que o elegeram e os governantes que o apoiaram sem experimentar um único traço de rubor.

De repente, o rei mostrou a sua nudez quando a mesma população que idolatra a seleção canarinho confrontou a opulência dos estádios construídos com dinheiro público com a miséria de seu cotidiano, espremida durante horas em um ônibus ou um trem, gastando horas para ir e voltar do trabalho, e obrigada a conviver com a absoluta penúria dos serviços médicos que fazem seus filhos e parentes queridos passar horas, dias ou meses aguardando uma consulta ou uma internação urgente, ou lutando para conseguir educar seus filhos em escolas minimamente decentes e eficazes. É claro que sempre aparecerão os Pelés e os Ronaldos Fenômenos da vida, com os bolsos recheados de patrocínios e de contratos de relações públicas, insistindo para que o povo se cale para que o circo milionário da Fifa possa funcionar em paz.

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Quanto às depredações e aos saques, a melhor homenagem que se poderá prestar aos milhões de pessoas que pacificamente disseram um "Basta!" à degradação de nossa vida pública é colocar a canalha que os vem promovendo na cadeia, para que recobrem a serenidade. Afinal, como diria Samuel Johnson, nada aguça mais a mente do que a visão do patíbulo; a perspectiva de alguns dias e noites em cadeias superlotadas, imundas, infectas, em distinguida companhia ajudará a esfriar os ânimos mais exaltados.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.