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A decisão da Renault expressa uma radical alteração no arranjo institucional entre atores públicos e privados interessados no desenvolvimento do Paraná

O anúncio da realização de investimentos de R$ 1,5 bilhão na ampliação em 36% da capacidade do parque fabril da montadora francesa Renault, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), confirma o delineamento de uma terceira onda de instalação da indústria automobilística no Paraná.

A primeira incursão aconteceu na segunda metade da década de 1970, com a atração da Volvo, New Holland e Robert Bosch para a Cidade Industrial de Curitiba (CIC), resultado da combinação de dois elementos virtuosos. De um lado, apareceu o movimento de transnacionalização do capital, em escala mundial, na direção da exploração dos mercados internos dos países do terceiro mundo, encorpados com o modelo de substituição de importações.

De outro extremo, foi destacável o árduo esforço de pressão política feito pelo Estado junto à esfera federal, na busca da aprovação de projetos e da obtenção de recursos necessários à multiplicação das vantagens competitivas do Paraná para a conquista de empreendimentos estratégicos, em um ambiente de indução oficial à desconcentração geográfica planejada da indústria brasileira.

O segundo ciclo, ocorrido entre 1996 e 2000, foi marcado pela vinda de fábricas de automóveis e utilitários, e respectivos fornecedores mundiais, na esteira da estabilidade monetária, da abertura comercial e do regime automotivo especial, instituído pela União, em um ambiente de preferência dos investidores privados, por ocasião da definição da localização das plantas, por macrorregiões situadas fora do eixo saturado do sudeste brasileiro, próximas de São Paulo e do Mercosul, e dotadas de excelência em infraestrutura e qualificação de mão de obra.

A maturação plena desse processo pode ser constatada no decênio de 2000. Conforme estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a participação da indústria de transformação do Paraná na geração da renda setorial brasileira passou de 5,2% em 1996 para 7,3% em 2009, o que redundou na ocupação do quarto lugar no ranking nacional, desbancando o Rio Grande do Sul.

Em igual intervalo, a contribuição da divisão de material de transporte para a formação do produto manufatureiro do Paraná subiu de 3,3% para 16,4%, assumindo o terceiro posto na indústria do estado, ficando atrás apenas dos segmentos de petroquímica e alimentos que, individualmente, respondem, por cerca de 19% da renda agregada.

Apenas em caráter de ilustração, a produção física da indústria paranaense cresceu 5,2% ao ano entre 2003 e 2010, contra 3,2% ao ano da média brasileira, sendo 32% da variação derivada do desempenho do complexo automotivo. Em direção análoga, o peso de materiais de transporte no valor total exportado pelo Paraná para o resto do mundo saltou de 4,7% em 1997 para 15,4% em 2010.

Essencialmente, o estágio atual evidencia a redescoberta do estado, por parte dos empreendedores potenciais, depois de anos de absoluto desinteresse das instâncias públicas paranaenses em aprofundar a ampliação e diversificação do parque produtivo aqui operante, aspecto comprovado pelo relacionamento conflituoso com os agentes privados domésticos e externos, inclusive com o governo federal, com o qual, paradoxalmente, havia alinhamento político. Assim, predominaram as ameaças de rompimento de contratos, celebrados em gestões anteriores, e o corte de incentivos fiscais oferecidos para a viabilização das negociações, em um clima de acirramento da guerra fiscal na federação brasileira.

Nesse sentido, a decisão da Renault expressa uma radical alteração no arranjo institucional entre atores públicos e privados interessados no desenvolvimento do Paraná, caracterizado por uma atmosfera de permanente e transparente diálogo. Trata-se do maior investimento privado conhecido no Brasil em 2011, divulgado em meio ao flagrante agravamento da segunda etapa da crise financeira internacional, deflagrada em setembro de 2008, que inclusive sugeriria a revisão dos planos de médio e longo prazo das organizações.

Diante disso, parece lícito argumentar que o Paraná experimenta uma fase de restauração de uma vontade de construção dos alicerces para o planejamento do desenvolvimento de longo prazo e de criação ou revitalização dos mecanismos e instrumentos capazes de concretizá-la.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é diretor-presidente do Ipardes e professor da FAE.

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