Vive-se uma realidade paradoxal: bons papos no Orkut, Facebook, MSN com pessoas de Los Angeles, Amsterdã, Tóquio, mas com o vizinho de porta não passa de um breve cumprimento.
Nas duas últimas décadas, o mundo sofreu uma vigorosa transformação no nosso modus vivendi et operandi, talvez sem similar na história da humanidade, por causa da informática. Recentemente assombrou e aturdiu a diplomacia mundial o vazamento pelo WikiLeaks, a despeito do conspícuo poder de fogo dos governos e das empresas. Os hacktivistas contra-atacaram, desencadeando talvez a primeira grande guerra cibernética. A internet nos propicia liberdade de expressão, robustece a democracia e cerceia tiranias.
Bem-vindos ao fantástico e sedutor mundo digital, mas se não houver medida correta, bom-senso, essas novas tecnologias são perigosas e deletérias. Compare a extraordinária soma de 60 bilhões de e-mails que trafegam diariamente pelos quadrantes da terra, em tempo real, com três relevantes fatos históricos: a) Em 1865 o assassinato de Abraham Lincoln num teatro de Washington consternou profundamente aquela jovem nação. De pronto o comunicado da morte deveria chegar à Inglaterra na embarcação mais célere: levou 13 dias, b) A notícia da Independência do Brasil, em 1822, muito lentamente se espalhou pelo vasto e inóspito território brasileiro. Chegou a Santa Catarina após inacreditáveis 60 dias, e c) A Apolo 11 que, em julho de 1969, levou o primeiro homem à Lua, tinha uma tecnologia eletrônica elementar: computador com processador de 1 MHz e memória RAM de 1 kb (similar a uma calculadora atual).
Como não quero ser prolixo, reitero apenas mais dois campos onde a informática apresenta significativas metamorfoses. A cada ano aumenta a receita tributária do Estado por conta dos controles e malhas finas operados pelos supercomputadores da Receita Federal, apropriadamente apelidados de tiranorexs. No campo científico, por exemplo, desde a decodificação dos genomas ao cálculo do número "pi" com 1,2 trilhão de casas decimais em apenas 37 h, comparado ao matemático W. Shanks que em 1873 havia calculado manualmente esse número irracional com 707 algarismos e levou 5 anos. Coisa de maluco!
No entanto, condena-se o tempo que uma parcela de nossas crianças e jovens dedicam aos games, internet, sites de relacionamentos, de duas a quatro horas diárias, comprometendo os estudos, leituras, relações interpessoais, a prática de esportes e a compleição física. Ademais o excesso como atestam as pesquisas tem afetado a saúde mental pois provoca depressão, insônia e mau-humor. Vive-se uma realidade paradoxal: bons papos no Orkut, Facebook, MSN com pessoas de Los Angeles, Amsterdã, Tóquio, mas com o vizinho de porta não passa de um breve cumprimento. Cerca de 51% dos nossos adolescentes que têm computador em casa um dos equipamentos está dentro do próprio quarto, longe portanto da tutela dos adultos.
A web torna disponíveis conteúdos técnicos e pedagógicos precisos, com visual atraente e em movimento. Em contrapartida, metade de seus bites é descartável, é entulho, é lixo ou fútil às nossas crianças ou jovens. O crescente desinteresse pelo ensino tradicional é um fenômeno que ocorre no mundo todo. O ambiente hermético "da oralidade e do impresso", antes prevalecente nas salas de aula, hoje é compartilhado pelas novas tecnologias educacionais. Entre elas, talvez a maior mudança de paradigma tenha sido causada pela internet, que representa uma ruptura com os consagrados modelos pedagógicos. Provavelmente não seja exagero dizer que cabe a divisão a.w. (antes da web) e d.w. (depois da web). Isso porque em nenhum momento da história se ofereceu acesso ao conhecimento de maneira tão ampla e democrática.
Jacir J. Venturi, diretor de escola, foi professor do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, de Pré-vestibular, da UFPR e da PUCPR.