Tem novidade na feirinha livre do mundo virtual. Uma das barraquinhas tem causado furor com um aplicativo o Secret que, garantem seus criadores, assegura o anonimato para que você possa postar o que lhe der na telha. Acreditam, segundo consta do site do produto, que "o anonimato incentiva as pessoas a compartilhar seus pensamentos e sentimentos mais profundos, gerando conversas genuínas que seriam impossíveis de outra forma".
Não sei se entendi. Como ter uma conversa genuína quando não se sabe com quem se está falando? E como se pode ser sincero escondendo sua identidade do interlocutor? Enfim, pode ser que sim, vai saber. E, se for, certamente não será noticiado como tem sido outra coisa que o anonimato costuma incentivar muito mais: a ousadia dos covardes.
Maledicência, difamação, injúria, intriga etc. parecem ser o que mais há por lá. Ao menos é o que o noticiário dos últimos dias tem informado. Apesar de os criadores dizerem que os abusos, quando comunicados, são deletados e seus responsáveis, banidos, já há decisão do Poder Judiciário proibindo a distribuição do aplicativo no país. Mas, deixando a discussão jurídica de lado, fato é que não há nada de novo aí; pelo contrário, trata-se de algo disseminado em toda e qualquer rede social.
Comentadores trogloditas que não se identificam; perfis falsos voltados a incomodar, perseguir e difamar, sempre que possível; fotos e vídeos, íntimos ou não, dos usuários usados em montagens grosseiras ou simplesmente vazados para expor ao ridículo. Enfim, não faltam exemplos do mesmo fenômeno, desse anonimato que, como disse Carlos Drummond de Andrade, "combina o prazer da vilania com a virtude da discrição".
O que fazer quando você é vítima não é diferente de quando o muro da sua casa amanhece pichado com xingamentos à sua pessoa ou família. Procurar apagar a ofensa, se puder, e recorrer a quem tenha poder de identificar e responsabilizar seus autores, como a polícia e o Poder Judiciário. Já evitar acontecer é mais difícil, mas o mínimo a ser feito é adotar os mesmos cuidados tomados quando se está em um espaço público porque se trata disso, realmente: um espaço público, ainda que você consiga mantê-lo aparentemente privado.
E é aí que volto àqueles que, não sendo black blocks na alma, fazem uso do Secret para expressar seus desejos, pensamentos e sentimentos inconfessos. Precisa mesmo disso, gente? Não basta falar com seus botões? Fazer um diário, então, por que não? É mais seguro, inclusive. E você pode dizer toda a verdade, nada mais que a verdade, desabafar mesmo. Tem o mesmo efeito, sério! E se sua vida interior estiver tão complicada assim que conversar consigo mesmo seja precisamente o problema? Bom, os psicólogos estão aí para ajudar nisso.
Mas é que essas confidências não são a sério, não é mesmo? Por mais sincero que se possa ser por lá, haverá sempre o tal anonimato a garantir que você não seja responsável, perante si mesmo, pelo que diz desejar, pensar, querer. Na realidade, se são segredos, são como aqueles dos truques de mágica. Quando revelados, só comprovam que era tudo uma ilusão.
Francisco Escorsim, advogado e professor, é coordenador do Instituto de Formação e Educação (IFE) de Curitiba.
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