Precisamos reconhecer o esforço que fazemos pela educação no Brasil. Nenhum país no mundo aumentou tanto seus investimentos em educação básica quanto o Brasil nas últimas décadas. Anualmente, investimos mais de 6% de nosso PIB em educação, mais de R$ 1 bilhão investidos a cada 24 horas apenas na educação básica. São mais de 60 programas federais voltados diretamente para o ensino básico e outras centenas de programas estaduais.
Nas últimas décadas, reduzimos a quantidade de alunos fora de sala de aula e aumentamos substancialmente a escolaridade (anos estudados) da população. O problema é que essa maior escolaridade não se refletiu em maior produtividade e renda para o povo brasileiro, muito provavelmente porque a qualidade da nossa educação ainda deixa a desejar: somos o 70.º país na prova de matemática do Pisa 2018 de um total de 77. Ficamos atrás de países como Tailândia (57.º), Catar (60.º) e Colômbia (69.º), e mais de 100 pontos atrás da média da OCDE. O resultado nas pesquisas nacionais não é muito diferente: os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apontam que, em 2017, apenas 9,1% dos alunos do terceiro ano do ensino médio das escolas brasileiras tinham conhecimento adequado de matemática.
No entanto, as médias escondem as distintas realidades do país. O desempenho acadêmico de municípios como Sobral, no interior do Ceará, salta aos olhos: um lugar pobre e de poucos recursos, mas com resultados excepcionais. Nos anos iniciais do ensino fundamental, Sobral saltou de um Ideb de 4,0 em 2005 para 8,4 em 2019, muito acima da média brasileira de 5,7.
O economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, aponta que, apesar do bom planejamento de políticas educacionais, investimento forte de recursos e análise de impacto das políticas, muitos municípios brasileiros continuam apresentando resultados educacionais pífios. Paes de Barros compara a gestão educacional como um PDCsemA (em referência ao método de gestão PDCA), porque não realizamos a última parte da sigla, que diz respeito a aprender com os erros e agir com base nas métricas averiguadas.
O diagnóstico é que não estamos replicando boas práticas, nem multiplicando sistemas eficientes e muito menos eliminando o que não funciona. Ou seja, sabemos como fazer uma boa educação, mesmo quando há poucos recursos e em lugares pobres: nosso problema é de governança e alinhamento de incentivos com os gestores públicos que conduzem a educação.
Desafio de governança e incentivos
Quando um político se preocupa com sua reeleição e/ou manutenção de seu partido e aliados políticos no poder, que incentivos ele tem para direcionar grandes esforços e capital político em prol de uma política educacional cujos benefícios são de longo prazo?
Talvez seja mais fácil e rentável aplicar energia e capital político em outras medidas que geram mais votos na próxima eleição. E, do ponto de vista do cidadão, como avaliar o trabalho do último prefeito na pasta da educação? É uma questão difícil, porque a responsabilidade pela educação básica não é apenas do município, mas também do estado. A rede municipal cuida da educação infantil e do ensino fundamental, enquanto a rede estadual cuida do ensino médio, mas também do ensino fundamental (sim, há uma sobreposição no ensino fundamental, que normalmente dividido entre os anos iniciais, atribuição dos municípios, e finais, que competem aos estados). No Brasil, porém, é normal que as duas redes atuem de forma concorrente dentro de um mesmo município.
Quanto mais longe estiver o Poder Executivo, pior é o exercício de cidadania do eleitor. Como brigar por melhor educação quando vivemos em um município pequeno, longe da capital e sem acesso a seus representantes? A aplicação e gestão dos recursos deveriam estar muito mais próximas das pessoas que pagam por eles.
Há um claro problema de governança e incentivos. Sem resolvê-lo, nunca conseguiremos transformar a educação do país naquilo que nossas crianças e adolescentes merecem.
Instituições como Fundação Lemann, Todos Pela Educação e o Instituto Ayrton Senna tentam mudar esse cenário trabalhando em parceria com as secretarias de Educação e realizando pesquisas sobre gestão educacional e inovação pedagógica. Ainda assim, há forte resistência para com essas práticas, afastando o desempenho da educação pública brasileira de seu potencial. Como sociedade, temos o dever de testar outras hipóteses e dar chance a novas frentes de trabalho.
A hipótese das Parcerias Público-Privadas (PPPs)
Se no Brasil testamos vários tipos de políticas públicas e, ao menos na área educacional, medimos bem seus impactos, há uma opção que é deixada de lado: as PPPs em educação.
PPPs como as charter schools e os vouchers educacionais poderiam solucionar parte dos nossos problemas de incentivos, especialmente se puderem operar em parceria com instituições com fins lucrativos. Do lado das famílias, a liberdade de escolher em que escola matricular as crianças e adolescentes permite votar a cada ano letivo pela melhor educação. Num modelo de voucher ou charter school, retirar um filho matriculado de uma escola significa reduzir os recursos disponíveis para ela, assim como ocorre no setor privado. Ou seja, escolas que entregam um currículo pouco inovador ou dão pouca atenção para a individualidade de cada aluno veriam suas verbas reduzidas devido à saída de alunos. Analogamente, boas instituições que fornecem uma educação de referência, com currículo atualizado e professores dedicados, receberiam mais verbas.
Essa série de incentivos se assemelha muito à seleção natural do livre mercado, onde as boas instituições de ensino expandem suas operações, criam unidades e levam sua qualidade a um número cada vez maior de alunos. Isso também pode ser implementado simultaneamente a outras medidas voltadas para escolas públicas. Permitir às famílias a possibilidade de escolher entre a escola pública, a charter ou o voucher é tornar a escolha e a participação do cidadão cada vez mais democrática.
Ao redor do mundo, as PPPs em educação são utilizadas como medida complementar às escolas públicas, coexistindo no mesmo município e até no mesmo bairro. Na Holanda, por exemplo, cerca de 70% das escolas são geridas por instituições privadas, e a maioria delas é financiada com dinheiro público, tendo acesso gratuito. O governo, neste caso, fica com o papel de supervisionar e cobrar metas de desempenho acadêmico destas instituições. Outros países, como Bélgica, Dinamarca, Suécia e Chile, também já utilizam o sistema de vouchers há mais de 30 anos.
O histórico do Brasil com PPPs em educação é bastante sucinto. A maior parte das PPPs foi voltada para a infraestrutura e serviços de apoio como segurança, manutenção e limpeza. Nunca testamos modelo algum de PPP em que o setor privado fosse inteiramente responsável pelo serviço educacional por tempo suficiente para avaliar seu impacto.
Ao mesmo tempo, temos talvez o maior teste de escolas privadas do mundo: mais de 9 milhões de alunos brasileiros estão matriculados em escolas particulares. Os dados apontam que essa experiência do setor privado tem sido bastante positiva: a nota de Matemática das escolas privadas no Pisa 2018 foi de 473 pontos, contra 374 das estaduais e 314 das escolas municipais. Nossas escolas privadas competem de igual para igual com os sistemas educacionais de países ricos como Estados Unidos (478), Espanha (481) e Luxemburgo (483). Na prova de Ciências, as escolas privadas brasileiras impressionam ainda mais, com 495 pontos, valores superiores a países como Noruega (490), Dinamarca (493) e França (493). O abismo de qualidade entre as instituições públicas e privadas é também verificado pelo Ideb. Em 2019, as escolas públicas tiveram uma nota média de 5,7 para os anos iniciais do ensino fundamental, enquanto as privadas alcançaram 7,1 para a mesma faixa.
A possibilidade das PPPs
A ideia de testar PPPs para a educação pública não é uma proposta de substituição completa da rede pública, mas de testar algo novo, pouco a pouco. Já demos essa chance ao setor privado na educação superior com o Prouni e o Fies, ambos programas que incluíram camadas mais pobres no ensino superior: em 2014, eram mais de 700 mil vagas no Fies e 300 mil no Prouni.
O setor privado já tem soluções para a educação básica que cabem no orçamento do governo. Diversos grupos educacionais estruturaram redes escolares inovadoras que aliam um valor acessível à qualidade. Iniciativas como a Escola Mais, que tenho o prazer de conhecer de perto, oferecem escola em período integral ( das 7 às 19 horas), inglês todo dia, infraestrutura de ponta e um notebook pessoal por aluno a custo de pouco mais de R$ 700 por mês. Isso no coração da capital paulista.
Segundo pesquisa da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, o custo por aluno das redes públicas urbanas já se aproximava de R$ 700 por mês para as séries finais do ensino fundamental de período integral ainda em 2018. E esses valores são subestimados, uma vez que a rede privada paga para o governo impostos sobre receita e lucros. As redes municipais e estaduais também não contabilizam no seu custo por aluno o custo de oportunidade dos imóveis próprios e o déficit previdenciário gerado pela folha de professores do regime público.
Nosso sistema educacional ainda pune as famílias que gostariam de investir mais na educação de seus filhos. Num sistema de vouchers, se a família decidir investir R$ 100 do próprio dinheiro para uma escola melhor, ela pode fazer isso e completar o valor de uma mensalidade mais cara. No sistema atual, as famílias que querem garantir aos filhos uma educação privada de melhor qualidade precisam ser abastadas o suficiente não só para despender esse valor extra como também para compensar o subsídio perdido da educação pública. Algumas empresas têm atuado neste problema. A Alicerce Educação, por exemplo, oferece contraturno escolar de reforço de matérias centrais como Matemática e Língua Portuguesa a partir de R$ 150. Uma verdadeira oportunidade para pais que querem contar com a qualidade da educação privada, mas não conseguem pagar por uma escola particular.
Temos dentro do Brasil um dos sistemas educacionais mais bem sucedidos do mundo: nossas escolas privadas. As PPPs, sejam vouchers ou charter schools, podem ser uma frente de atuação que trará benefícios valiosos no longo prazo, principalmente ao promover a escolha e a supervisão do cidadão mais para perto da escola e permitir a multiplicação do que comprovadamente dá certo. Com o amadurecimento das redes educacionais, devemos nos preparar para dar uma chance ao setor privado na educação pública. Nossas crianças e adolescentes merecem isso.
Yuri Mannes, associado ao IFLSP, é economista formado pelo Insper e atua como coordenador de planejamento financeiro na Bahema Educação.
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