A Copa é bem-vinda. Não obstante, é hora de os governos estadual e municipal deixarem de tratar a população como plateia e esclarecerem, com objetividade, a licitude e o montante dos investimentos públicos no Mundial
Em momentos especiais é que a Constituição e as instituições mostram a força que possuem. Nesse sentido, a Copa de 2014 será um bom teste. No entanto, até agora só o Estado de Espetáculo entrou em cena. Segundo Marçal Justen Filho, a preocupação central desse tipo de Estado não é a alteração da realidade, mas a produção de ações na dimensão imaginária.
Em 5/2/2009, a Gazeta do Povo noticiou que o prefeito de Curitiba tinha "plena certeza" de que o metrô ficaria pronto até o Mundial. Em 19/12/2009, o prefeito declarou ao jornal que o metrô não seria concluído antes do evento, mas a terceira pista do Aeroporto Afonso Pena, sim. Em 15/4/2011, a Gazeta publicou que a pista ficará pronta para a Copa. Mas somente para a de 2018, na Rússia. O que resta é a reforma de algumas avenidas já existentes e a ampliação do terminal de passageiros do aeroporto. Porém, considerando que faltam três anos, não será surpresa se alguma dessas obras for excluída.
Em contrapartida, os benefícios concedidos à iniciativa privada à custa do erário só aumentam. A Lei Estadual 16.734/10 concedeu isenção de ICMS e IPVA a todos os fatos geradores relacionados ao evento. Apesar da aprovação unânime do projeto de lei pelos deputados, um deles confessou ter dúvidas se era a melhor solução. "Mas não quero ser responsabilizado amanhã ou depois, dizendo que foram os deputados que fizeram com que o Paraná perdesse a Copa", disse. Essa é outra característica do Estado de Espetáculo. Transmite-se a imagem de que as ações do governo são controladas pelo parlamento, sem que este demonstre efetiva capacidade de interferir na evolução dos fatos.
Embora o ministro dos Esportes tenha declarado que não haveria o aporte de dinheiro público em estádios, a Câmara de Curitiba autorizou por meio da Lei 13.620/10 a concessão de R$ 90 milhões em potencial construtivo para a conclusão da Arena da Baixada. A obra nem começou, mas o orçamento já aumentou 60%, o que indica que mais recursos públicos serão investidos. Segundo a Lei, o Clube Atlético Paranaense, beneficiário do crédito, deveria oferecer "contrapartidas sociais" ao município. Uma delas será a cessão de dois camarotes no estádio. Tudo conforme convênio publicado em 28/9/2010, que prevê também a desapropriação de imóveis no entorno da Arena. Aparentemente, tais imóveis também serão revertidos ao Atlético, apesar da jurisprudência contrária do STF: "A expropriação de imóvel a favor de pessoa jurídica de direito privado somente se legitima se tratar de concessionário de serviços públicos ou de delegado de função pública, ou afetado, o bem expropriado, ao serviço público" (RE 78229).
Como se não bastasse, o cidadão, que, em última análise, financia tudo isso, será tratado como sujeito de segunda categoria. Faixas de tráfego exclusivas serão destinadas aos envolvidos no evento, o que tornará o trânsito dos moradores ainda mais caótico. E no raio de dois quilômetros do local da competição apenas os patrocinadores poderão vender seus produtos nos dias de jogos, obrigando o comércio local a fechar as portas.
Recentemente, o Ministério Público ajuizou ação contra o ex-ministro dos Esportes por superfaturamento no Pan-Americano de 2007. O valor do pedido, R$ 10 milhões, revela que essa é mais uma iniciativa do Estado de Espetáculo destinada a transmitir ao povo a imagem de que os ilícitos serão reprimidos. É óbvio que o acusado não terá dinheiro para pagar eventual condenação. Daí a importância do controle preventivo.
A Copa é bem-vinda. Não obstante, é hora de os governos estadual e municipal deixarem de tratar a população como plateia e esclarecerem, com objetividade, a licitude e o montante dos investimentos públicos no Mundial, bem como os benefícios concretos que advirão para a população de Curitiba e do Paraná. O show não pode continuar.
Francisco Zardo, advogado, é especialista em Direito Administrativo e mestrando em Direito do Estado pela UFPR.