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STF
STF| Foto: Dorivan Marinho/STF

Março é internacionalmente reconhecido como o mês das mulheres, mas, no Brasil, a data ainda é comemorada de forma “romântica” (com propagandas valorizando a sensibilidade feminina, promoções para a aquisição de produtos de beleza e entregas de flores), descaracterizando sua essência, que é política: relembrar as conquistas políticas e sociais das mulheres e colocar em pauta os direitos ainda não alcançados. Não é por acaso que a ONU pautou para o dia 8 a assinatura da declaração pelos direitos de mulheres e meninas (relacionados à saúde) em Genebra, documento firmado por mais de 60 países e rejeitado pelo governo brasileiro.

Nesta perspectiva, alguns dados nacionais têm fundamental importância: 1. em 2015 foi sancionada a Lei do Feminicídio, colocando a morte de mulheres no rol de crimes hediondos; 2. ocupamos a quinta posição dentre os países em que mais se mata mulheres no mundo; e 3. 90% dos crimes de feminicídio são praticados por atuais ou ex-maridos/companheiros/namorados da vítima.

É neste cenário, e diante de um crescimento de 22,2% em violência letal e de diminuição em mais de 25% nos registros de lesão corporal decorrentes de violência doméstica durante a pandemia de Covid-19, que o julgamento concluído pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 12 assume protagonismo, pois veta a utilização da tese de “legítima defesa da honra” nos crimes de feminicídio.

A tese de legítima defesa da honra tem base nas Ordenações Filipinas (sem vigência no Brasil desde 1916), que autorizava o marido a matar a sua mulher infiel. Contudo, mesmo sem base legal, esta tese ainda é perpetuada por advogados e aceita pelo Judiciário (em geral júri), o que motivou a análise pelo STF.

Quanto ao conteúdo da decisão da ADPF 779, por maioria de votos os ministros entenderam que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por violar os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da defesa da vida e da igualdade de gêneros. E mais: decidiram que a sua argumentação, em qualquer fase processual (ou pré-processual), causa nulidade do ato e do julgamento. A decisão, então, tem poder político no combate à violência – real e simbólica – contra as mulheres.

Neste sentido, é dever do Supremo defender os direitos constitucionais e garantir direitos fundamentais de grupos minoritários, combatendo injustiças e preconceitos. Isso porque a Constituição Federal de 1988 segue diretriz neoconstitucionalista, ou seja, em que há uma releitura da ideia clássica e rígida da separação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), permitindo o chamado ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais – aqui, a igualdade de gênero.

E é por esta matriz, de princípios e valores que abrem portas entre direito e moral, que os ministros puderam fazer uma leitura da legislação penal e do problema relativo à violência doméstica e vetar a utilização da tese retrógrada em questão.

Neste ponto, por mais que a violência de gênero não seja um tema recente, a luta contra ela é. E não há dúvidas de que a decisão do Supremo tem o efeito pedagógico de inibir que advogados, promotores e demais membros da Justiça articulem teses sexistas (como ocorre com frequência nas causas de família e de violência doméstica) na tentativa de culpar as mulheres pelas agressões que sofrem.

Ademais, se até os dias de hoje há o crescimento significativo da violência de gênero, e ainda permanece a aderência da tese em questão para o fim de absolvição de homens, significa que há uma cultura machista estrutural perpetuando violências concretas e simbólicas a ser modificada. Ante a notável inércia dos demais poderes na promoção de leis e políticas públicas eficazes para tanto, o Poder Judiciário tem legitimidade para agir na garantia de direitos das mulheres para reequilibrar a representatividade majoritária (masculina) e fazer valer os valores de equidade da Constituição.

Não há dúvidas de que a baixa representatividade das mulheres nos cargos políticos gera justamente a dificuldade de articulação de leis que garantam seus diretos. Portanto, há pertinência no papel do STF como garantidor dos diretos das minorias e fiscalizador dos demais poderes, o que deverá ser mantido até que elas sejam devidamente representadas em nosso sistema democrático.

Nós, mulheres, não podemos ser eternamente culpadas pelas violências que sofremos, e o silêncio da Justiça implica em cumplicidade tácita com os agressores.

Diana Karam Geara, advogada, é mestre em Direitos Fundamentais e Democracia.

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