As recentes decisões do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, a propósito dos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público com a Novonor (antiga Odebrecht) e a J&F repercutiram amplamente. As decisões suspenderam monocraticamente as multas e obrigações financeiras das empresas nesses acordos de leniência e isso causou muita comoção. Mas afinal, as decisões prejudicam as políticas anticorrupção no país?
Grandes corporações foram alvo de investigações em operações e prisões quase diárias. Muitos investigados fecharam acordos com a acusação. Posteriormente, a Operação Spoofing apreendeu mensagens hackeadas, nas quais, supostamente, membros do Ministério Público e o juiz Sergio Moro combinavam estratégias. Outras mensagens discutiam assuntos sigilosos com autoridades e entidades privadas, como a ONG Transparência Internacional.
Nas investigações criminais, o Estado não pode agir segundo a lógica de uma guerra suja, em que o inimigo pode ser criminosamente eliminado caso não se renda.
A partir daí, o Supremo Tribunal Federal considerou ilícitos atos investigativos em diversos contextos. Especificamente, em setembro de 2023, o ministro Dias Toffoli declarou ilegal a apreensão de um sistema informático, realizada sem o devido respeito às leis e tratados, em um dos casos de leniência.
As empresas J&F e Novonor solicitaram acesso aos dados obtidos pela Operação Spoofing. Neles, haveria provas de que os agentes públicos forçaram, de maneira abusiva, a assinatura dos acordos. Os requerimentos eram também para suspender as obrigações financeiras enquanto as empresas não tiverem acesso e tempo para estudar o conteúdo dessa investigação. O ministro Dias Toffoli atendeu a esses pedidos em dezembro de 2023 e janeiro de 2024, respectivamente.
As decisões tomadas pelo ministro não estão livres de críticas, seja porque foram dadas por um único ministro, seja porque não está claro se as mensagens hackeadas revelarão os supostos abusos nos acordos. Elas, porém, são provisórias e afirmam apenas que é plausível que excessos possam ter afetado a liberdade de escolha das empresas. Isso justificou a suspensão temporária das obrigações financeiras nessas leniências firmadas com o Ministério Público Federal. Mas isso não representa necessariamente o fim desses acordos; essas decisões podem representar o início de uma possível renegociação com adequação à legalidade.
Diferentemente do pessimismo geral, é possível ver aqui um avanço no sistema anticorrupção. Pois, se é verdade que o aperfeiçoamento das investigações melhorou a apuração de casos de corrupção, também é verdade que a falta de uma regulamentação necessária das negociações contribuiu para possíveis abusos e autoritarismos.
Nas investigações criminais, o Estado não pode agir segundo a lógica de uma guerra suja, em que o inimigo pode ser criminosamente eliminado caso não se renda. E isso é o inverso da consensualidade da leniência. Se o Estado pretende que as corporações peçam leniência e contribuam combatendo as raízes da corrupção, então é lógico que ele deve agir com probidade na negociação de acordos. A experiência internacional ensina que é a transparência, não a destruição, que potencializa a prevenção; só assim fortalecemos a confiança na Justiça. Táticas ilegais dos negociadores estatais são formas de corrupção e, como tais, merecem repressão. Há uma lição valiosa para aperfeiçoar o sistema: causar um dano ao particular para então promover um acordo perverso não é uma boa política anticorrupção.
Luiz Henrique Merlin é advogado, mestre e doutorando na UFPR e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).
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