Acabamos de presenciar mais uma decisão do Supremo Tribunal Federal que reafirma o seu status de intangibilidade e ameaça os princípios da República brasileira. Por 7 votos a 4, a suprema corte de nosso país decidiu por anular a delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral (MDB-RJ).
O julgamento de embargos de declaração, provocado pela Petição 8.482 da Procuradoria-Geral da República, teve como base principal a inconveniência da possibilidade de a polícia (a Polícia Federal, no caso) firmar acordos de colaboração sem a anuência do Ministério Público, único órgão capaz de propor ações penais.
A desnecessidade de intervenção do parquet nas ações penais tem sido tema espinhoso no STF, pois poucos dias atrás o ministro Alexandre de Moraes determinou busca e apreensão, dentro da Operação Akuanduba, contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sem ouvir o Ministério Público. Assim, esperava-se que o magistrado, pautado pela coerência, considerasse o acordo de colaboração premiada válido, ainda que sem a oitiva do Ministério Público. Mas não foi o que aconteceu. Acompanhado do relator Edson Fachin e dos ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Luiz Fux, Moraes votou pela anulação do acordo.
Ao tomar ciência dessa decisão, imediatamente me veio à mente a famosa frase de Trasímaco, principal interlocutor de Platão no primeiro livro de A República, que400 anos antes de Cristo já havia observado algumas facetas da natureza humana que se repetiriam no decorrer dos séculos: “A justiça nada mais é do que a conveniência do mais forte”.
Já era de se esperar que uma delação que ameaçava provocar a investigação de um ministro do Supremo fosse acabar em nada. Entretanto, não sei como, ainda me surpreendo com a capacidade do Poder Judiciário em “dobrar” as normas à sua vontade e ver magistrados opinando sobre a mesma situação em sentidos diametralmente opostos, a depender do interesse a ser julgado.
Evidentemente, no processo judicial (sobretudo o penal) a forma é tão importante quanto o conteúdo. Todavia, não nos é permitido utilizar a forma como artifício para esconder o mérito. Mas foi o que o Supremo fez: utilizou uma filigrana jurídica para impedir a investigação de um ministro de sua corte.
E o que fazer agora? Não nos resta muito, a não ser submeter-se ao império do Poder Judiciário, que, em todas as instâncias, encontra maneiras de conduzir a sociedade brasileira pelos caminhos que julga adequados.
Em um país onde os freios já não conseguem reduzir a aceleração tratorista dos togados, e os demais poderes encontram-se tão desgastados como uma folha seca, tornando-os incapazes de exercer qualquer contrapeso à “Justiça”, só nos resta finalizar com a mais famosa sentença de Ruy Barbosa, que nem sequer a ele pertence, embora devesse, por sua sabedoria e assertividade, coroada pela sutileza: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”.
Ezequiel Silveira é advogado pós-graduado em Docência do Ensino Superior, em Direito Tributário e em Direito Digital e Proteção de Dados, membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), da Associação Nacional de Advogados em Direito Digital (Anadd) e da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados (ANPPD).
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