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Enquanto a transição energética para economias de baixo carbono guia inúmeros países em busca de fontes limpas de energia, o setor elétrico brasileiro se dá ao direito de ignorar o assunto. Afinal, ao mesmo tempo em que as emissões de gases de efeito estufa do país seguem lideradas pelos elevados índices de desmatamento, nossa matriz cheia de hidrelétricas e com crescente participação de energia solar e eólica sugere que, por aqui, a eletricidade não é um problema no que diz respeito às mudanças climáticas.
Os números amigáveis, no entanto, escondem suas amarras junto a um passado insustentável: as usinas a carvão mineral. A atividade, embora possa ter importância regional, depende de subsídios bilionários dos consumidores e gera empregos de qualidade questionável na exploração de carvão de baixo poder energético. Além disso, o combustível fóssil não só é um dos principais causadores do efeito estufa, prejudicando todo o planeta, como afeta todo o ecossistema das regiões produtoras.
Além de ignorar tais impactos, o setor elétrico desconsidera o potencial econômico do descomissionamento de usinas: a descontratação de três usinas térmicas na Região Sul que usam o combustível pode proporcionar uma redução de R$ 8 bilhões na conta de luz dos brasileiros até 2028 e evitar a emissão de 4 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Candiota III, Jorge Lacerda e Figueira, em operação respectivamente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, podem ser desligadas porque a redução do consumo de energia causada pela pandemia de Covid-19 levou à sobrecontratação nas distribuidoras, que persistirá pelos próximos anos. Além disso, reforços nas linhas de transmissão previstos para entrar em operação nos próximos anos serão suficientes para que a geração no restante do país compense a saída dessas usinas do sistema. É importante ressaltar que o desligamento seria feito com a devida compensação de seus proprietários. No caso de Candiota III, a situação até seria vantajosa para os acionistas, uma vez que a usina vem registrando sucessivos prejuízos devido a problemas técnicos. Do lado do consumidor, além da redução dos gastos graças aos descontos numa negociação pela antecipação do término dos contratos, deixariam de ser pagos R$ 5,4 bilhões em subsídios até 2028.
Como uma das regiões mais ricas do país, o Sul tem totais condições de alçar esse protagonismo e buscar alternativas para a superação do problema com desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, a exemplo do que vem fazendo a Alemanha, a realocação de parte dos recursos hoje destinados ao combustível poderia ser usada para uma transição justa aos trabalhadores e comunidades locais envolvidos com a mineração, com benefícios ambientais, econômicos e sociais. A região daria um exemplo nacional em favor da sustentabilidade, de quebra contribuindo para a redução das tarifas de energia em todo o país.
*Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Donato da Silva Filho é sócio-fundador da consultoria Volt Robotics.