A crítica ao programa Mais Médicos é muitas vezes mal interpretada e confundida com preconceito em relação a profissionais estrangeiros. Não é o caso! Não há nenhum componente de discriminação na exigência de que a medicina no Brasil só possa ser exercida por médicos que tenham o diploma reconhecido (revalidado) por universidade brasileira. A contratação de médicos estrangeiros sem revalidação de seu diploma foi um remédio para o sintoma, e não para a doença, pois nunca pôs em pauta o problema central, que é a ausência de uma política pública efetiva para a fixação de domicílio do profissional nas regiões mais longínquas do país.
Como é notório, o principal país “exportador” de médicos, Cuba, está em retirada do país. Especula-se muito sobre os motivos, os quais passam pela elevação do dólar e pelo aumento do número de ações judiciais. A principal conclusão, de qualquer forma, é que mais uma vez não se desenvolveu planejamento de longo prazo para a saúde pública brasileira, preferindo-se remendos sempre questionáveis.
É fundamental que os trabalhadores em saúde, incluindo os médicos, não sejam contratados em caráter precário
Uma das características mais marcantes do Mais Médicos é a qualificação do médico como espécie de intercambista ou bolsista, sendo sua contratação assumida diretamente pelo governo federal. A desoneração dos municípios na contratação dos profissionais produziu, naturalmente, a simpatia de muitos gestores municipais. Entretanto, a interrupção do convênio era previsível e o modelo adotado, fadado ao insucesso justamente por não se tratar de um modelo de gestão em saúde, mas apenas de um projeto com impacto midiático e de absoluta fragilidade em seus fundamentos de sustentação.
O Brasil é hoje recordista mundial em número de escolas de Medicina, formando anualmente cerca de 25 mil médicos, sem que esse número consideravelmente alto seja acompanhado de uma política de interiorização do profissional. A principal porta de entrada é e tem de ser o Sistema Único de Saúde, na dimensão da atenção primária, quando 80% a 90% das necessidades da população podem ser atendidas. É inaceitável a terceirização do trabalho neste âmbito, na medida em que o vínculo entre o médico e a população é crucial para se atingir os objetivos do próprio conceito de saúde, definido pela OMS como estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente como ausência de afecções e enfermidades.
Sendo assim, nada pode ser mais importante, no que se refere às políticas de saúde, que buscar, com apoio da sociedade civil, a efetiva organização e financiamento de um sistema universal representado pelo SUS. Um sistema capaz de atuar em rede hierarquizada, indo da atenção primária à medicina da mais alta complexidade. Para tanto, é fundamental que os trabalhadores em saúde, incluindo os médicos, não sejam contratados em caráter precário, que suas funções técnicas sejam independentes de políticos eleitos e que haja respeito por uma política de saúde fundamentada em dados epidemiológicos e sociais.
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