O governo federal e o Congresso apontaram recentemente, por meio da aprovação de certas medidas, que os subsídios aos combustíveis, sobretudo o diesel, serão os mecanismos utilizados por enquanto para conter o aumento dos preços provocados pela crise mundial deflagrada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. “Uma questão excepcional”, disse o presidente da República. Em uma primeira análise, os menos atentos poderiam entendê-las como medidas positivas. O diesel é usado pelos caminhões que carregam as mercadorias e os ônibus que transportam as pessoas diariamente. Mas precisamos estar mais atentos a algumas armadilhas.
Em primeiro lugar, os subsídios desaceleram as oportunidades que as energias limpas poderiam ter aproveitado nesta crise para crescer exponencialmente. Deveria ter havido, por exemplo, uma corrida para a adesão ao carro elétrico no país. Subsidiar combustíveis fósseis desencoraja o investimento em novas fontes, principalmente as renováveis. Segundo: quando se aprova uma manobra como esta, significa que o dinheiro vai sair de algum lugar para virar subsídio. De onde virá? Da educação, da saúde… das obras? Do fundo eleitoral, pelo visto, não será.
Crises sempre vão acontecer e o Estado não poderá para sempre agir de maneira reativa para salvar o dia. O Estado não é o setor produtivo, que gera riquezas; ele apenas as distribui
Existe um conflito de interesse basilar na nossa própria formação republicana, o fato de que diferentes grupos defendem pautas distintas. É cada um por si. Os funcionários públicos vão lutar pela valorização da categoria, os conselhos criam mais barreiras para regular a profissão e controlar a oferta de mercado, a indústria das armas pressiona para o afrouxamento das leis, e assim por diante. Enfim, cada setor, cada grupo de interesse, tem acesso direto aos nossos tomadores de decisão para fazer lobby em causa própria. O cidadão comum, aquele que trabalha de sol a sol, que está preocupado em pagar o aluguel, alimentar a família e ter o mínimo de conforto, não está diretamente ativo e participativo nos processos de decisão.
O leitor pode alegar que existem as eleições, mas, ainda assim, elas continuam concedendo o poder a grupos específicos de interesse. E fica o dilema: o que é bom para uns é melhor para a sociedade como um todo? Voltando ao problema dos combustíveis, os subsídios devem beneficiar uma parcela importante da economia brasileira e, de forma paliativa, evitar a explosão da inflação no país, especialmente em ano eleitoral. Mas, no médio e longo prazo, essa mesma corda que foi estendida para resgatar alguns grupos de interesse pode acabar enforcando toda uma população.
O aumento dos gastos públicos, sem responsabilidade e com a economia estagnada, só tem um resultado: combinação de inflação, desvalorização dos ativos, desinvestimento, diminuição do poder de compra e empobrecimento da população. Precisamos entender que crises sempre vão acontecer e o Estado não poderá para sempre agir de maneira reativa para salvar o dia. O Estado não é o setor produtivo, que gera riquezas; ele apenas as distribui. Quando os governantes fazem concessões, eles não estão produzindo nada. Na verdade, estão tirando de alguns para doar a outros. É assim que, literalmente, o imposto funciona. O Estado diz: “ou você me paga ou eu, com minha força de polícia, vou puni-lo”. Mas, infelizmente, a maioria não consegue enxergar isso de forma crítica. Nós já naturalizamos o fato de sermos explorados.
E o que nos torna ainda mais vulneráveis é a falta de opção. Se há apenas uma escola onde possamos matricular nossos filhos, um hospital que possa nos socorrer, se na minha profissão só há um emprego que eu posso conseguir, eu vou me sujeitar a qualquer atendimento, a qualquer salário e assim por diante. É isso que o Estado faz quando precariza os serviços à sociedade para favorecer grupos específicos.
O leitor pode, então, dizer que botar defeito é fácil. Mas na verdade é sabido que a saída é uma só. Os únicos mecanismos que visariam ao bem maior seriam dois. Em primeiro lugar, determinar na Constituição um valor máximo que o Estado pode gastar. Mas estamos falando aqui de celeridade de verdade, não um teto que pode ser furado a qualquer momento. E a segunda é a descentralização do orçamento com transferência de maiores partes dos recursos para as cidades e, no caso das grandes metrópoles, para os bairros. É lá que a vida acontece, onde é mais fácil ouvir e saber do que os cidadãos realmente precisam. E, claro, fica mais fácil para os indivíduos fiscalizar. Afinal, quem consegue saber o que acontece em Brasília? Economia controlada e aplicação mais participativa do orçamento tornariam as cidades mais dinâmicas, a economia pujante e, assim, as pessoas teriam mais e melhores escolas, hospitais e empregos. Elas ficariam menos vulneráveis e mais fortes para enfrentar as crises que surgirem.
Daniel Grajwer é jornalista e economista.
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