Ora, afinal o correto candidato das oposições, Geraldo Alckmin, sacudido pelas pesquisas e pelo murmúrio de lamentações, queixas e críticas ao seu desenxabido estilo de campanha, resolveu mudar a afinação para o tom de dosada severidade das denúncias ao adversário embalado pelo favoritismo, o presidente-candidato Lula. Seu oposto no desembaraço com que afirma qualquer coisa, sem medir palavras, aceita e procura adesões sem preocupações com o prontuário dos aliados.
Alckmin escolheu a ocasião e o lugar para o ensaio da cambalhota com o cauteloso cuidado com que policia a sua linguagem. No corpo a corpo em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, portanto em seu território, impostou a voz e soltou o verbo na estréia do desfile da sua escola.
Para quem não tem costume, até que não foi mal: "Sobre o ponto de vista ético, vivemos um descalabro".Tomou fôlego, pisou no acelerador: "Enquanto a gente não tirar essa praga da corrupção, esse país não vai para frente."
O fantasma da derrota à vista já fez um grande estrago na retaguarda da tropa da aliança PSDB-PFL, com o encolhimento dos mais tímidos e a indecorosa debandada aos berros do salve-se-quem-puder.
E, na pasmaceira de duas semanas do horário de propaganda eleitoral, a oposição atirou com balas de festim, esquecendo no paiol a munição para a guerrilha que fustiga o inimigo e abre caminho para os avanços no campo minado.
Se a esperança é a última que morre, como ensina a sabedoria popular até em letras de samba, convém acolchoar decepções com a ladina advertência da cantiga infantil, do tempo em que as crianças brincavam nas praças e calçadas, sem receio de assaltos e seqüestros. À filha de pai severo que a obrigou a procurar a agulha que sumira, a voz da experiência entoa o conselho judicioso: Menina volta atrás/ Vai dizer a seu pai/ Que agulha que se perde/ Não se encontra mais.
O tempo perdido é irrecuperável. Até mesmo nas exceções milagrosas de uma reviravolta nas campanhas.
Perdoar, esquecer erros, não restauram a oportunidade exata de imprimir à campanha de oposição, com a singularidade de o adversário disputar a reeleição, a marca da denúncia dos erros, das omissões, dos fracassos dos quatro anos do mandato que exala os últimos suspiros de uma trajetória de altos e baixos, manchado pela série de escândalos da corrupção.
Tudo o que Lula quer é que não o encurralem no canto da defensiva. Fugiu dos debates, na corrida da contradição, com as canelas besuntadas pelas justas críticas ao seu invejado adversário nas eleições de 1994 e 1998, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que usou a mesma tática escapista de ética duvidosa.
A zonzeira imobilista da oposição permitiu que o presidente-candidato deitasse e rolasse no tapete do fato consumado da mais enfadonha campanha de todos os tempos outro recorde de Lula ao escárnio da inédita proposta de um plano de governo em longo prazo. O plano que Lula esqueceu de apresentar no início do mandato, antes que a enxurrada do mensalão e do caixa 2 passasse à porta do seu gabinete no Palácio do Planalto, sem que ele visse ou soubesse.
Não há muito mais a fazer, embora o dever da oposição seja o de lutar até o último fôlego para diminuir a desvantagem da sua inapetência.
Com a acomodação do governo e o sumiço da oposição, o Congresso e o Judiciário, em escaramuça à parte, cruzam as armas, em trincheiras distantes, na guerrilha contra a praga endêmica da roubalheira.
Acuada, a minoria do Legislativo reagiu. Não é desprezível a decisão do presidente do Conselho de Ética do Senado, senador João Alberto de Souza (PMDB-MA), determinando a abertura de processo contra os senadores Ney Suassuna (PMDB-PB); Magno Malta (PL-ES) e Serys Slhessarenko (PT-MT), acusados de envolvimento na gatunagem da venda de ambulâncias superfaturadas. Os três ilustres parlamentares perderam a hora de renunciar aos mandatos para escapar da inelegibilidade. Mais um entrou na roda: o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) acusado de embolsar a modesta propina de R$ 40 mil.
Muitos passos adiante, o Judiciário arregaçou a toga e brilha na vanguarda da varredura da impunidade. A Justiça Eleitoral nos estados encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o indeferimento de 1.535 candidaturas, 7,4% do total dos candidatos.
O TSE endurece as exigências para o registro de candidatos e facilita a interpretação das normas restritivas para fechar a porteira das fugas pelos buracos legais.
Falta o eleitor cumprir o seu dever: despertar da abulia da indiferença, da bobagem do voto nulo e usar as urnas para a única desforra coerente para expelir da atividade política os mensaleiros, sanguessugas, vadios e incompetentes que desonram o que deve ser a Casa do Povo e o mais democrático dos poderes.