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Opinião do dia 1

O tranco da China

A China deu um tranco no mundo com a queda abrupta e acentuada das ações na Bolsa de Shanghai. Como em um dominó, caíram as bolsas orientais, as bolsas européias, a bolsa americana, a Bovespa... Foi um abalo até relativamente pequeno, mas que mexeu com os sismógrafos econômicos do mundo todo. Por quê? Porque o mercado financeiro internacional, os bancos, os especuladores, as grandes multinacionais, sempre imediatistas, foram subitamente relembrados de um velho provérbio chinês: é fácil montar em um tigre, o difícil é desmontar...

Essa a dura realidade: a China é grande e complexa demais para ser tratada de maneira ingênua pelo resto do mundo. Na ânsia de ganhar um dólar a mais, de tirar uma casquinha em uma economia em furiosa expansão, os ocidentais esqueceram tudo para tratar os chineses apenas como um grande supridor de mão-de-obra barata, pouco preocupado com perfumarias como o aquecimento global, o desequilíbrio ecológico, a exaustão das matérias-primas críticas. Na realidade, trata-se de um país em que a imprensa é severamente censurada, a internet idem, as dissensões e discordâncias são abafadas sem grandes escrúpulos e o sistema judicial é, digamos, bastante sensível aos interesses dos governantes e pouco preocupado com as aparências.

E esqueceram todos – ou quase todos, porque algumas mentes lúcidas vêm alertando para isso no mundo acadêmico nos Estados Unidos e na Europa – o essencial: a China não é uma economia de mercado, como continuam a repetir os mal-informados, pois os preços da economia chinesa correspondem em grande parte a decisões políticas, o câmbio não é livre, há uma infinidade de distorções geradas por subsídios... O que é denitivamente assustador é que a China é grande demais para ser pressionada pelos outros países seja econômica, financeira ou militarmente. Digamos, apenas como exercício de raciocínio, que Europa e EUA, as duas maiores potências mundiais, cheguem a um impasse com os chineses e que resolvam retaliar. Como? Impondo restrições às suas exportações? De imediato terão implodido todo o sistema da Organização Mundial do Comércio no qual a China foi alegremente aceita com auxílio deles próprios. Teriam ainda de vencer a resistência de suas próprias empresas multinacionais que investiram na economia chinesa centenas de bilhões de dólares e que passariam imediatamente a correr sérios riscos. Uma retaliação financeira do Ocidente? Como, se os chineses têm reservas cambiais gigantescas aplicadas em papéis do Tesouro americano? Em dois tempos os mercados financeiros do mundo teriam sido virados de cabeça para baixo se a China resolvesse mexer em seus investimentos mundiais, abalando as taxas de juros. Militarmente? Nem pensar. Quem é que consegue sustentar uma guerra contra um país que tem 1,3 bilhão de habitantes, um exército de 2,5 milhões de soldados e uma vasta capacidade nuclear e espacial? Os japoneses, tão arrogantes em relação aos seus vizinhos chineses na década de 30, seriam os primeiros a enfiar o rabo entre as pernas; os russos os segundos. Os americanos, às voltas com o Oriente Médio, não teriam cacife para abrir uma nova frente de conflito. Enfim, um problemão bem do tamanho do Império do Meio.

Enquanto isso, aqui neste país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, que aliás também se deslumbrou com a China e imprudentemente a reconheceu como economia de mercado, permitindo que os produtos orientais inundem o mercado brasileiro sem qualquer dificuldade, tudo caminha para a normalidade. O país cresceu 2,9% ao ano e como "d’habitude", na rabeira da América Latina. O presidente Lula, ao comentar os resultados e declarar que esperava ainda menos fez como o alfaiate que respondeu à reclamação de um cliente de que a calça que havia feito tinha uma perna mais curta que a outra, afirmando que tudo é relativo pois em compensação ela tinha uma perna mais comprida do que a outra. O ministro Mantega (que entrou para o crescente rol das celebridades assaltadas), como de costume, nada disse que ajudasse a esclarecer porque suas previsões são invariavelmente desmentidas pelos fatos. O dr. Meirelles, do Banco Central – que está um ano-luz à frente de todos os seus colegas de governo em matéria de competência profissional –, foi taxado de derrotista, alarmista e pessimista. E a vida continua. O Congresso já se intimidou em suas tentativas de endurecer o sistema penal quando duas dezenas de manifestantes gritaram palavras de ordem, os doutos continuam a recomendar que nada se faça sob o domínio da emoção – ou seja que não se faça nada, pois quando não há emoção há inação; o MST e a CUT fizeram uma aliança estratégica para continuar a invadir terras particulares e produtivas sem que ninguém se lembre de que existem leis que proíbem essa piedosa prática... Ah, e uma cretina já declarou publicamente que o crime do menininho do Rio, o João Hélio – lembram-se dele? A imprensa já está esquecendo – só causou indignação nacional porque ele era branco e louro. Como se vê, tudo na mais absoluta normalidade.

Enquanto isso, o segundo governo Lula não começou. Talvez comece depois da Semana Santa, pois como cantava Lamartine Babo, o Brasil foi descoberto pelo "Sêo Cabral" no dia 21 de abril, dois meses depois do carnaval.

Belmiro Valverde Jobim Castor é membro da Academia Paranaense de Letras.

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