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O Brasil, em fogoso sonho de um capitalismo humanitário, busca instituir a "concorrência" em todos os serviços públicos, fazendo uso de uma lei de licitações cujo objetivo nunca foi o de licitar apenas por licitar, mas buscar boas opções para o poder público (que não se limitam, apenas, a amealhar ganho em leilões). Não se demonstra, a priori, que qualquer licitação de serviço público trará efetivamente benefícios ao usuário. De concreto, fica apenas o atendimento à literalidade das normas, o dispêndio de milhares de reais para planos e processo licitatório, sem que, ao fim, possamos dizer: avançamos.

No transporte coletivo rodoviário interestadual de passageiros, temos hoje um modelo em que o poder público, com dados informados pelas empresas e perfeitamente auditáveis, define uma tarifa com base nos custos da atividade e número de usuários ainda restantes. E onde está inserido este modelo? Em cenário que pretende regular o que não é liberalizado. Por mais que em julho de 2008, por meio de um decreto (!), grande parte do sistema tenha sido inserido no Plano Nacional de Desestatização (PND), a Constituição ainda reveste a atividade com traços de serviço público, de titularidade exclusiva da União. Em função da estatização existente, nada há para se regular; nada há para se privatizar, já que a operação é toda feita por particulares, que não calculam as tarifas e não elaboram os regulamentos.

E agora vamos licitar a atividade. Licitar por licitar? Quais os avanços que efetivamente teremos? Que benefícios serão trazidos para os usuários ao, talvez, retirarmos os operadores atuais? Aos que se alvoroçam em citar os exemplos da telefonia para demonstrar que "privatizar" é solução mágica, lembramos: até hoje ainda há metas a serem atingidas, tendo o Tribunal de Contas da União, em setembro de 2013, apontado deficiências da Anatel no trato do tema.

E para o transporte, agora, além de um Estado sonhador, temos também um Estado de crença incerta. O edital lançado pela ANTT devota crença ora ao livre empreender, ora à limitação imposta por atividade cuja titularidade é do Estado. Há (curiosa) limitação quando determina a potência dos veículos, fixada em, no mínimo, cabalísticos 310 cavalos. Em outra mão, ignorando dados informados, propaga-se uma livre concorrência para obter o maior desconto sobre o "novo" coeficiente tarifário – resultante de pesquisa realizada, para ligações de longa distância, em "absurdos" 179 dos 5.561 municípios brasileiros. Ou seja: por vezes uma vela à limitação em nome do serviço público; outras, nova crença, uma vela ao livre mercado.

Uma atividade em ambiente capitalista "regulado", onde qualquer alteração no plano operacional depende da anuência do Estado, não consegue instaurar uma efetiva concorrência. Ou adotamos o livre empreender e assistimos ao mercado se autorregular, ou elevamos preces a um modelo em que o Estado efetivamente desempenhe o papel de titular da atividade.

Se a pretensão é, porém, apenas observar parcialmente um serviço público sem maiores comprometimentos, ainda que seja ele essencial para milhões de pessoas, pretendendo defini-lo com base em dados de que seu titular não dispõe (ou dispõe de maneira frágil), impõe-se como necessária, primeiro, uma licitação para escolha de novo pretendente ao papel de poder público.

Sérgio Roberto Maluf, advogado, é mestre em Direito pela UniBrasil.

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