Na MPB, a moda agora consiste em xingar a mulher amada: os adjetivos mais usados são "canalha", "safada", "cachorra" e um inacreditável "pistoleira", que "baleou meu coração"
Pode parecer aos mais apressados um desabafo elitista ou uma demonstração de intolerância, mas tenho a impressão de que, em muitas áreas da cena brasileira, estamos escorregando para uma mistura mortal de mediocridade com vulgaridade: Não me refiro à mediocridade e à vulgaridade em si mesmas e sim à sua valorização social, a sua aceitação pacífica como uma "característica" e não como uma patologia cultural de nossa terra. Essa mistura letal está progressivamente dominando a vida pública brasileira com absoluta sem-cerimônia.
Progressivamente, traçou-se uma linha divisória entre o "culto" e o "popular". Para ser autêntico, deve-se abandonar o código culto e adotar a "linguagem popular", seja lá o que isso signifique. Nas escolas, o hip hop e o rap são considerados manifestações musicais atualizadas, enquanto que a cultura clássica é tida como elitista e desajustada à nossa "realidade social". A grafitagem é vista como uma manifestação cultural superior e, de repente, todos os grafiteiros brasileiros foram promovidos a muralistas, os Orozcos, Siqueiros e Riveras tupiniquins, enquanto que a "arte convencional" foi relegada ao esquecimento. E a música popular brasileira ou pelo menos a que domina as rádios há tempos abandonou qualquer pretensão de inteligência; a moda agora consiste em xingar a mulher amada: os adjetivos mais usados são "canalha", "safada", "cachorra" e um inacreditável "pistoleira", que "baleou meu coração".
Na política nem é necessário falar, é até covardia. Um país em que deputados vendem para proveito próprio passagens pagas com o dinheiro da nação, Renan Calheiros e sua patética tropa de choque ameaçam os adversários com a divulgação de segredinhos e segredões como antídoto para a divulgação de suas próprias mazelas, em que um burocrata esperto como Agaciel Maia acumula o poder que teve (e ainda tem, não duvidem) fazendo favores para oligarcas decadentes contando com o silêncio e complacência de todos, não há dúvidas que estamos na terra dos candidatos ao oitavo círculo do inferno, dos fraudadores, enganadores, ladrões a puxa-sacos, que de acordo com algumas previsões abalizadas de um italiano do século 13, quando chegarem lá, levarão surras de demônios chifrudos, serão enterrados de cabeça pra baixo, ferverão na lava e serão picados por cobras.
Tenho, sim, uma certa nostalgia de um país que já teve mais estilo em tudo, na convivência humana, nas artes, na política. Mau gosto e a falta de inspiração não faltaram em nenhum momento da vida brasileira, mas nunca tiveram tanta aceitação e prestígio. Já vimos muitas mediocridades triunfarem na música popular e nas artes, mas eles jamais tiveram a proeminência de agora. Quem pode imaginar que esse país em que vivemos, seja o mesmo de Noel Rosa, Lamartine Babo, Braguinha e Moreira da Silva, que faziam música genuinamente popular e que gozavam de enorme popularidade ou de Chico Buarque, Raul Seixas, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Milton Nascimento que também venderam milhões de discos e desfrutaram de enorme prestígio entre todas as camadas sociais?
Já vimos muita mediocridade e vulgaridade triunfar na política, mas quem pode imaginar que um parlamento que já desfrutou da inteligência recheada de esperteza de um Juscelino Kubitschek, José Maria Alkmin ou Leonel Brizola, ou de inteligências intolerantes com a burrice como as de Roberto Campos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, seja o mesmo de Sarney e Renan Calheiros?
Quem imagina isso, o faz porque não teve o privilégio de ver "o outro" Brasil. E quem sabe, assistir a Carlos Lacerda ser chamado de "filho da p..." por Ivete Vargas e retrucar: "Vossa Excelência é jovem demais para ser minha mãe". Ivete foi agressiva e vulgar, Lacerda foi agressivo e fino. Hoje, temos de nos contentar em ver a ex-senadora Heloísa Helena não encontrar nada melhor para desancar uma adversária política do que chamá-la de "porca trapaceira". Sinal dos tempos.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
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