Qual o ícone urbano de Curitiba? Acho que há três. E completamente diferentes. A estufa do Jardim Botânico, o Museu Oscar Niemeyer, e o tubo
Os ícones urbanos são construções que refletem um período da história de uma cidade e servem como a síntese desse período. Não se trata apenas de sua importância histórica ou arquitetônica e, por vezes, essas edificações nem sequer possuem qualquer valor em si mesmas; mas são construções que refletem o espírito de uma época, em que a população enxerga sua identidade e, mais importante, sente orgulho de alguns aspectos de sua cidade que estão refletidos nessa construção. Assim, os ícones urbanos são fragmentos do conjunto da cidade que sintetizam um determinado período histórico e onde sua população se enxerga.
Nem todas as cidades têm ícones urbanos. Quando fiz vestibular para arquitetura, havia o chamado "teste de aptidão", eliminatório, para verem se sabíamos desenhar. Um desenho de observação, um de memória. Para o desenho de memória, a questão pedia para desenharmos um ícone urbano de sua cidade. Deixei a folha em branco por umas duas horas. E na meia-hora final inventei alguma coisa só para não ser eliminado. Assim, poderia dizer que, por falta de ícones urbanos, mudei-me para Curitiba.
E qual o ícone urbano de Curitiba? Acho que há três. E completamente diferentes. A estufa do Jardim Botânico, o Museu Oscar Niemeyer, e o tubo. Sim, o tubo. A estufa me parece um ícone urbano construído, artificial, em uma estrutura tubular de uma falta de criatividade e mau gosto impressionante, repetida em outros lugares, como a Ópera de Arame, que tem o fato positivo de marcarem lugares que foram recuperados e colocados para uso da população.
Mas também tubular, há na cidade algo que me impressiona: as estações-tubo, usadas pelos ônibus expresso e ligeirinho. Essas estações podem ter todos os problemas técnicos possíveis: quentes no verão, aberta ao vento no inverno, muito caras em relação a outras estruturas que cumpririam a mesma função etc. É verdade que essas estações são provavelmente as únicas paradas de ônibus no mundo que se tornaram internacionalmente conhecidas. Vocês já viram turistas tirando fotos das estações-tubo. Ele é um ícone urbano da cidade, não como construção, mas por sintetizar um sistema de transporte por ônibus que foi um dos melhores do mundo.
O terceiro ícone urbano de Curitiba me parece ser o Museu Oscar Niemeyer. Talvez seja uma percepção mais técnica de sua importância, mas ainda assim, acho que hoje ele é a síntese da vida urbana de Curitiba. Há claro, o aspecto de marketing, de cartão-postal, de usá-lo como referência para a cidade. E o Oscar Niemeyer a-do-ra! ser cartão-postal. Mas no caso de Curitiba, acho que as subversões ao seu projeto foram tantas, e o melhoraram tanto, que vale ser nosso ícone urbano.
A primeira parte do edifício, onde hoje são montadas as exposições temporárias, foi projetada no final dos anos 1960 para ser uma instituição educacional. E ela não funcionou muito bem como tal. Vá ao museu, imagine-se estudando enterrado, ou imagine centenas de crianças correndo por aquela rampa-escada. Não podia dar certo. Daí foi usado para outras atividades públicas até que, com o novo século chegando, o governo estadual decidiu que ele seria um museu, e Niemeyer projetou sua segunda parte, a torre e o olho, onde está a exposição permanente e algumas especiais.
Com tudo isso, por que o museu do olho me parece um ícone urbano de Curitiba? Primeiro porque a integração do projeto original, com seu vão livre de 65 metros, com a torre-ciclope que se levanta das águas, permite uma rara oportunidade de vermos duas fases do principal arquiteto brasileiro, e um dos mais importantes do mundo no século 20. Segundo, porque nos mostra que mesmo os ícones não devem ser levados tão a sério: como instituição educacional, o projeto não é nada bom; como museu, é seguramente um dos melhores espaços expositivos do Brasil e talvez o melhor museu de Niemeyer. Mas o que mais chama a atenção são as costas do museu. Niemeyer projetou o espelho dágua; entre o museu e o Bosque do Papa, nada. Pois este "nada" é um dos espaços mais usados na cidade nos finais de semana, o parque dos cachorros. Há jovens e adultos com seus cachorros, outros que treinam malabares, dezenas de adolescentes sentadas nas escadas dos fundos vendo o movimento, crianças correndo por todas as partes e todos os que, em muito menor quantidade, foram ao museu, param para ver o que acontece na praça dos cachorros. A cidade que pulsa nas costas do museu.
Fábio Duarte, urbanista, é professor na PUCPR
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