Dois estudos norte-americanos recentes fornecem elementos importantes para a compreensão da dinâmica da mudança em curso no mercado de comunicação social, provocada pela revolução digital. O primeiro é um levantamento do instituto Pew Research Center, que demonstrou serem os jornais responsáveis por cerca de metade da produção de conteúdo jornalístico novo. As demais mídias tradicionais juntas (tevê, rádio e outros) produzem quase todo o restante e somente 4% das informações inovadoras originam-se nas novas mídias (plataformas de busca, agregadores, blogs, etc). O segundo levantamento, feito pelo Fair Syndication Consortium, atestou que cada matéria de jornal é reproduzida sem licença em média 4,4 vezes na internet, chegando a 15 vezes nos casos dos títulos de maior credibilidade.

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O papel das novas mídias tem sido, em geral, o de simples replicadoras dos conteúdos originais, produzidos principalmente pelos jornais. Não se discute a capacidade da internet no que se refere ao compartilhamento imediato e global das chamadas hard news, entendidas como a apresentação simples de acontecimentos, por meio de textos, áudio ou imagens. Aliás, neste aspecto, o da disseminação instantânea de notícias, o rádio e a tevê já haviam ocupado, com eficiência, o espaço inaugurado pelo jornal, a mais antiga das mídias. Referimo-nos ao papel mais importante do jornalismo: o de produzir informações e análises inovadoras, sob a responsabilidade de empresas jornalísticas sérias, que exigem de seus profissionais – jornalistas altamente qualificados – o uso de técnicas de apuração e o compromisso com princípios editoriais transparentes. Produzir informação inovadora e de qualidade – aquela que contribui de forma relevante para que os cidadãos possam refletir e ter opiniões próprias num país democrático – custa caro.

O modelo ideal de empresa jornalística é a que se sustenta por meio da venda dos exemplares e também, necessariamente, pela receita publicitária oriunda de uma carteira ampla e diversificada de anunciantes. Somente empresas jornalísticas financeiramente sólidas podem manter a desejável independência editorial em relação a governos ou a interesses privados, o que lhes permite eleger como prioridade absoluta o direito dos cidadãos de acesso às informações, e assim garantir a publicação de notícias e análises que podem contrariar interesses políticos e econômicos. Não há dúvida de que o jornal Washington Post prestou um serviço à sociedade norte-americana, em 1974, com a di­­vul­­gação de reportagens sobre o Caso Watergate, estopim de investigação que resultou na queda do presidente Richard Nixon. A democracia da Amé­­rica não foi abalada. Ao contrário, se fortaleceu.

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Tudo isso coloca em debate uma questão funda­­mental para o futuro da comunicação. Utilizan­­do-se de mecanismos de busca na internet, grandes empresas da nova fronteira tecnológica se apropriam das informações jornalísticas, sem autorização dos detentores dos direitos sobre elas e sem qualquer remuneração. Tais empresas estão hoje entre as maiores e mais lucrativas do planeta. Se persistir esse modelo de apropriação e uso gratuito na internet das informações jornalísticas, elas tenderão a perder qualidade e, em última instância, a desaparecer. Sem a remuneração devida, como poderão os jornais produzir as informações que pautam os grandes debates, que ajudam na formação da opinião, que orientam os cidadãos?

Jornal é a mais antiga, tradicional e consistente das mídias, a que teve função mais relevante nas transformações sociais, econômicas e políticas, razão pela qual se tornou símbolo da própria democracia.

As novas mídias vieram para ficar, e devemos entendê-las como avanços que podem significar a melhoria do nível geral de informação. A questão está em encontrar um modelo saudável, que permita a continuidade dos padrões anteriores de qualidade na produção de informação e apuração de notícias. Caso contrário, perde a indústria jornalística, responsável pelos mais de 539 mi­­lhões de exemplares que circulam diariamente no mundo. Mas, muito pior, perde a democracia um dos seus maiores guardiões.

Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ)