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O fato de a educação ser um espaço de contínuas disputas não é uma grande novidade. A maneira de como é veiculada essas disputas pode dar a impressão, como pretendem alguns, que o campo educacional precisa ser neutro e ficar completamente afastado da esfera política. Os que apregoam isso se esquecem que a educação se concretiza no sentido formal também em razão de políticas educacionais.
Da chegada dos Jesuítas, passando pelo Império e chegando à República, numa história marcada por sucessivos golpes, a disputa pelo controle da educação é uma constante em nosso país. Nesse sentido, não soa estranho que uma reforma como a que vem sendo chamada agora de o “Novo Ensino Médio” propusesse um currículo tão empobrecido e alinhado com interesses dos que pretendem perpetuar sua dominação.
Na visão atual da reforma é melhor afastar os estudantes de conteúdos que possam torná-los críticos, conscientes de seus direitos e deveres,
As estratégias políticas para dificultar o acesso da população mais pobre à educação formal não é recente em nosso país. Relatos citados por Lauro de Oliveira Lima, em 1974, no livro Estórias da Educação no Brasil: de Pombal a Passarinho já mostravam que o pensamento em 1872 era “a grande massa deve ter apenas instrução elementar”. A tão propalada reforma do Ensino Médio praticamente tirou do currículo disciplinas como Filosofia e Sociologia, além de reduzir a carga horária de outras, como História, Geografia e Artes. Um legítimo processo de sabotagem de nossa educação pública, ainda que sob o mantra da inovação e modernização.
Os mais interessados pela história de nossa educação talvez se recordem do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: A reconstrução educacional no Brasil, de 1932. Entre as propostas, o Manifesto defendia que: “a educação deve ser uma só”, com vários graus articulados para atender às diversas fases do crescimento humano, pressupondo a multiplicidade”. Esse é apenas um pressuposto que a recente reforma do Ensino Médio propositalmente desconsiderou. Na visão atual da reforma é melhor afastar os estudantes de conteúdos que possam torná-los críticos, conscientes de seus direitos e deveres, para formar mão de obra mais barata.
Essa história de sabotagem da nossa educação fica ainda mais evidente nas estatísticas quando constatamos nos livros de história da educação que nos anos 1950, mais de 50% da população brasileira era analfabeta e em 1988, quando a nossa Constituição atual foi aprovada, esse total ainda alcançava pelo menos 20% de nossa população. Esforços foram realizados para superar essa mazela de nossa história, mas as reformas e sabotagens continuaram constantes.
Diante de interesses políticos e econômicos hegemônicos, a população menos abastada torna-se cada vez mais vítima de exploração, tendo como opção um ensino formatado, cuja ideologia tende responsabilizar os indivíduos por um fracasso e perpetuar o domínio dos poderosos sobre essa parte da sociedade.
Esperamos que nossos representantes atuais, democraticamente eleitos, pelo menos, aparentemente se mostram preocupados com os menos favorecidos, percebam a gravidade de se manter uma proposta tão nefasta como é a do “Novo Ensino Médio” e ouçam o clamor daqueles que lutam pela sua revogação.
Luís Fernando Lopes, doutor em Educação, é professor do Programa de Pós-graduação em Educação mestrado e Doutorado em Educação e Novas Tecnologias e da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional UNINTER.