| Foto: Nelson Almeida/AFP

Meu pai, que sabia quando ia chover só em olhar para a formação de nuvens no nascente e no poente, dizia: “quando o vento vem numa direção, ninguém desvia seu rumo”. Costumei aplicar a pequena lição à política. Quando o vento corre na direção de um candidato, não há barreira que o detenha. Torna-se ele “a bola da vez”, o cara que tende a chegar ao pódio antes dos outros. E, aproveitando mais um ditado popular, a corrida do vento até se acelera quando alguém “cutuca a onça com vara curta”. A fera, quieta em seu canto, corre para abocanhar o caçador.

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A imagem cai bem sobre a figura do capitão Jair Bolsonaro. A ventania provocada pela atmosfera eleitoral sopra na sua cara, a mostrar que, mesmo sob muralhas construídas em sua passagem – acusações de discriminação contra mulheres, misoginia etc. – o candidato da extrema direita está na posição de canalizador das correntes mais fortes que impulsionam o eleitorado brasileiro. Nem a onda feminina que, há dias, invadiu as ruas, a partir do Largo da Batata, em São Paulo, protestando contra o candidato sob o manto de um movimento batizado de #Elenão, deteve sua capacidade de aglutinação. Deu-se um bumerangue: Bolsonaro ganhou pontos no campo das mulheres e, ainda, cresceu em segmentos tradicionais do lulismo, como as margens pobres do Nordeste.

O fato é que a intensa polarização que racha o país denota algo inusitado: os dois líderes dos votos são também os mais rejeitados

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O que teria ocorrido? O movimento das mulheres contra Bolsonaro abrigaria um grupo majoritariamente de esquerda e de boa renda, e o “cutucão com vara curta” nos costados do capitão teve o condão de despertar o sentimento antipetista, particularmente forte nos enclaves médios do Sudeste, com grande poder de capilaridade. O tom crítico de candidatos do centro contra o lulopetismo, nos últimos dias, correu pelas regiões, fazendo estragos na imagem do PT e de seu candidato Fernando Haddad. Evitar “a volta do PT ao poder” passou a ser grande estampa na paisagem eleitoral, abrindo os flancos de candidatos como Geraldo Alckmin, Marina Silva e até Ciro Gomes, que viram parcela de seus eleitores surfar na onda bolsonariana.

O fato é que a intensa polarização que racha o país denota algo inusitado: os dois líderes dos votos são também os mais rejeitados, ambos beirando 45% de rejeição. Bolsonaro veste o figurino do cara ao lado do eleitor, sujeito de cultura mediana, de linguagem simples, sem sofisticação, um parlamentar do baixo clero que nunca habitou o altar dos qualificados no Parlamento. Traduz o voto de protesto contra a velha política e contra a rapinagem desvendada pelas Operações Mensalão e Petrolão, simbolizando, ainda, a figura do mocinho do velho Oeste a atirar para matar (que fique claro) os bandidos.

Haddad, por sua vez, é um emissário que pede aos eleitores pobres do Nordeste para desencavar a bolorenta foto de Lula no baú para recolocá-la na parede de suas casas, sob a lembrança do dinheirinho do Bolsa Família e da água do São Francisco. Para os eleitores do alto, tome promessas de recuperar o Brasil da era PT. (Haja dissonância). O bumbo sobre os caminhos tortuosos do PT, o fraseado “revolucionário” de seus pensadores – José Dirceu na vanguarda –, a palavra de ordem “Lula Livre”, a dúvida gerada por Haddad (é Lula, mas não é), acabam deixando muita gente desconfiada. Por isso, só os convictos põem fé na palavra dele.

Rodrigo Constantino: O fenômeno Bolsonaro (publicado em 7 de outubro de 2018)

Leia também: O petismo sofre um primeiro revés (editorial de 8 de outubro e 2018)

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Se formos comparar os ruídos provocados pelas campanhas, podemos dizer que os decibéis bolsonarianos estão entre 80 a 100 (mesmo com o capitão recolhido após a facada), faixa considerada muito alta, enquanto os decibéis de Haddad giram entre 60 a 80, faixa intermediária. O recado de Bolsonaro faz mais eco. Com agudos e graves até então desconhecidos, o candidato exerce maior poder de atração. Outro modo de comparar é dizendo que a tonalidade mais radical sai da trombeta de Bolsonaro, performance que cai mais no agrado social, em função do clima de desordem e roubalheira vivido pelo país.

No segundo turno, os tons do discurso aumentarão de volume, acirrando o ânimo das duas bandas que dividem o território. O capitão continuará a se ancorar na bengala da emoção que usa desde a facada. Já o ex-prefeito Fernando Haddad tentará se equilibrar na corda bamba, ora procurando exibir voz própria, ora passando recados do tutor Luiz Inácio. Até 28 de outubro, veremos choques agudos e entreveros mais severos. Sob uma primavera muito quente.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação.