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Que impulsos levam um país pobre, devastado por uma guerra com os Estados Unidos, unificado somente após esse conflito, sem pessoal qualificado, recursos financeiros e bancos de investimentos e dotado de um PIB per capita anual de apenas US$ 640 a inverter seu modelo de crescimento adaptando-se à economia de mercado?

As respostas mais usuais seriam reformas econômicas, pressa para crescer, subsídios à indústria e ao comércio, investimentos em educação, elites modernas e criativas, importação de máquinas e equipamentos, qualidade da mão-de-obra, etc. Muitos desses fatores, isolados ou em conjunto, incrementaram a economia do Japão e de outras nações asiáticas e alicerçam hoje o crescimento da China (PIB de 10,5% em 2006, contra 5% do Brasil, a partir de 2017, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), da Índia e de outros países emergentes.

Mas o Vietn㠖 esse é o país – não tinha como resolver sua pobreza, exceto aceitando a globalização, atraindo investimentos de qualidade, se integrando no sistema mundial de comércio e exortando seus 84 milhões de habitantes a trabalharem duro, o que de fato ocorreu (na última década, o crescimento médio anual superou 7%).

Precisou trilhar o único caminho que lhe restava, ingressando na Organização Mundial do Comércio, que, apesar de ser dominada pelos países ricos, o obrigava a se submeter às regras do comércio mundial, certas ou erradas. Como 150.º membro da organização – a Rússia deve ser admitida, brevemente, e a China já está lá –, teve que aprender no sofrimento que nada teria de graça, se quisesse crescer a longo prazo. Assim – com décadas de atraso – começa sua lenta evolução para a economia de mercado. Este ano, a Bolsa de Valores já disparou 54%, no melhor desempenho na Ásia, e o Banco Mundial sustenta que seu crescimento anual deverá ultrapassar 7,5% a 8%.

Talvez nem os governantes vietnamitas saibam em que circunstâncias e como sua opção pela economia de mercado repercutirá na sociedade local, pois serão necessárias muitas reformas para atenuar pobreza, mas o que importava era olhar para a frente.

Um país muito pobre, devastado e sem futuro só começaria, de fato, a deixar de sê-lo quando seus governantes, empresários e trabalhadores se convencessem de que a esperança se relaciona ao crescimento, com aumento dos empregos. A propósito, no ótimo filme policial "Mississipi em Chamas", de Allan Parker, o detetive interpretado por Gene Hackman conta que seu pai tinha um vizinho pobre, dono de uma cabra que, inconformado por nunca ter podido comprar uma igual, envenenou a água que o bicho bebia; assim, não haveria mais esperança nem para ele nem para o vizinho. A história, embora trate do racismo no Mississipi durante a administração John Kennedy, talvez ilustre melhor a relação entre a esperança dos povos e seus avanços econômicos. Para sair da pobreza e poder crescer, o pobre Vietnã teria que amarrar sua "cabra" na administração George Bush e submetê-la a alguns membros da OMC.

Afinal, as economias mais dinâmicas do antigo mundo comunista também tinham se curvado aos integrantes da organização, requisito que os países mais desenvolvidos viam como exigência da globalização da economia e, até mesmo, da competitividade internacional. O dilema requeria decisões urgentes do Vietnã: abrir ou não o país aos produtos americanos industriais e agrícolas, aceitar ou não a presença de empresas de serviços, seguradoras, bancos de investimentos e assumir ou não novos deveres em relação à propriedade intelectual?

Em meio aos prós e contras, Hanói escolheu crescer, com geração de empregos, mais investimentos produtivos, reservando-se o direito de proteger sua economia e limitar os investimentos em setores estratégicos. Mais importante: arrostaram vantagens e desvantagens inerentes a qualquer negociação diplomática, num processo de seleção que muitos consideram injusto – avanços para alguns, atrasos para outros – e escolheram o mesmo caminho.

Brevemente, em Hanói, na reunião do Fórum de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico, a Rússia e os EUA devem firmar acordos de acesso a seus mercados domésticos –, e com o Vietnã na OMC, a opção por crescer tende a se tornar um imperativo global. Não que já seja aceita em definitivo, pois EUA e Bruxelas continuam exigindo do governo vietnamita o fim do controle cambial e novas aberturas para seus investimentos.

Apesar disso, entre os países emergentes, subsiste a idéia de que, à margem das disputas econômicas, dos protecionismos e da abertura no comércio, os países membros da OMC devem dar prioridade a seu desenvolvimento pela economia de mercado. Nesse aspecto, a ação da diplomacia ainda é a melhor ferramenta para os países pobres e ricos sepultarem velhos ressentimentos, em função da diminuição dos níveis de pobreza no mundo.

Miguel Jorge é jornalista e vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Jurídicos e Corporativos do Santander Banespa.

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