Para a imensa maioria da população brasileira, o papel do político eleito – seja no Executivo ou no Legislativo – é o de intercessor pessoal. As pessoas votam em Fulano por desejarem que o Fulano lute pessoalmente pelos interesses dos que o elegeram, por simpatizar com ele ou por vê-lo como pessoalmente ligado a alguma coisa que os interesse. Para a população em geral, o fato de o Fulano estar no partido A ou B é simplesmente irrelevante: o voto é dado por uma pessoa a outra pessoa, assemelhando-se mais a uma escolha de padrinho que a uma opção ideológica.

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Esta visão personalista da administração e da política é um fato da vida, uma característica da cultura brasileira; modificá-la é tão factível como fazer com que toda a população passe a se comunicar em búlgaro ou javanês. Mesmo assim, persiste o erro dos ideólogos de plantão, que vêem no sistema partidário – supostamente organizado em bases ideológicas – a única forma de representação lícita no campo político. Criam-se leis para impor fidelidade aos partidos, exige-se que as alianças partidárias valham do Oiapoque ao Chuí, dá-se aos partidos um voto para cada voto dado a um seu membro e, é claro, a cultura brasileira continua exatamente a mesma. Ninguém liga para partidos, tal como ninguém fala búlgaro ou javanês. Ninguém vota no partido, e todos votam no candidato.

Ao transformar em ponto fulcral da atuação política algo que, na melhor das hipóteses, é uma abstração política menos importante para o eleitor médio que a religião, o tamanho de sapatos ou o penteado do candidato, o sistema vigente distorce e perverte a representação real, desejada pela população. Seria mais lógico e mais inteligente criar uma espécie de grupo de suporte – Ideólogos Anônimos (IA), talvez? – cujos membros pedissem a cada dia a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podem modificar.

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Ao invés disso, temos candidatos proporcionais que têm a maior votação e perdem a eleição por estarem em partidos pequenos; há candidatos cujos votos podem ser contados nos dedos das mãos, mas que levam a vaga por terem a sorte de ter no mesmo partido um "puxador de votos" que traz votos de legenda suficientes para eleger alguns ilustres desconhecidos; temos partidos que funcionam como legendas de aluguel, oferecendo legitimidade legal àqueles que têm apoio popular sem ter conexões políticas que lhes permitiriam concorrer por um partido mais estabelecido.

O que temos, em suma, é uma tentativa de montar um oligopólio político, em detrimento da vontade popular, ignorando as características fundamentais da cultura brasileira. Cada proposta de reforma política vai pelo mesmo caminho, procurando artificialmente restringir a liberdade dos votantes e dos candidatos, vendendo como "corrupção" a expressão legítima dos anseios populares e como "progresso" a obrigatoriedade de fidelidade a agrupamentos que são, na melhor das hipóteses, panelinhas. Para piorar a situação e assegurar o oligopólio, a legislação dá aos partidos maiores mais verbas, mais tempo de propaganda e mais direitos em geral. O jogo é de cartas marcadas, e o tamanho da panelinha a que se pertence já é meio caminho andado para a vitória: quem não é da turma, quem é de fora, não tem chance alguma.

Como o investimento nas panelinhas é alto e a propaganda dos ideólogos de plantão é incessante e unânime, será difícil sair desta situação. Mesmo assim, vale pensar, vale propor: para que a representação política brasileira se veja livre desta praga, um bom começo seria deixar de reconhecer os partidos na legislação eleitoral, acabando com o voto de legenda, acabando com a liderança partidária formal, etc.

Quem quisesse formar uma panelinha informal continuaria, é óbvio, livre para fazê-lo: já há a dita bancada evangélica, já há inúmeros políticos comprometidos com a ecologia, com os movimentos contra e a favor da legalização do aborto, com movimentos desarmamentistas e antidesarmamentistas, e por aí vai. Nenhuma destas bancadas informais tem sua existência formal reconhecida, mas todas elas são mais unidas e mais representativas de seus eleitores. Nenhuma delas tem tempo "gratuito" de televisão e rádio – que, sabemos todos, não é gratuito: pagamos, e pagamos caro, pelo desprazer de ver e ouvir os discursos insossos dos mesmos "oligopolíticos".

Se os partidos formais se tornassem bancadas informais, pelo menos teríamos uma representação política mais representativa das escolhas do povo. Isso, é claro, enquanto não aprendermos, todos, a falar búlgaro.

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Carlos Ramalhete é professor de Filosofia e presidente da ONG HSJ, dedicada à preservação da cultura brasileira.www.hsjonline.com