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Opinião do dia 1

O voto nulo e as eleições estaduais

Ainda em torno dos números das eleições no estado.

Como a diferença de votos entre Osmar e Requião no segundo turno foi muito pequena, principalmente em Curitiba, reduto eleitoral do governador, e como as pesquisas de boca-de-urna projetaram uma distância do segundo em relação ao primeiro, supôs-se que: 1) o culpado pela surpresa era o voto nulo; 2) a taxa de votos nulos tinha sido excepcionalmente alta; e 3) ela derivava de um erro do eleitor: o cidadão teria digitado os números trocados para governador e presidente. Curiosamente, o que explicaria esse engano seriam os casos onde ele não ocorreu. Onde houve coincidência dos partidos (e dos números dos partidos) na eleição de governador e presidente o percentual de votos nulos teria ficado dentro das "margens históricas". Dois estados apresentaram, no segundo turno, um índice muito baixo de votos nulos, justamente onde os números dos candidatos ao governo coincidiram com os números dos candidatos à Presidência. Tanto no Rio Grande do Sul quanto no Pará, houve apenas 2,5% de nulos, contra expressivos 7,7% no Paraná.

É preciso lembrar que invalidar intencionalmente o voto é uma maneira legítima (e às vezes eficaz) de protesto nas democracias eleitorais. O desconsolo diante das opções políticas, ou a aversão pura e simples a todos os candidatos, pode assumir uma forma debochada ou séria, irritada ou irreverente.

A zombaria explícita ocorre quando uma parte do eleitorado traduz seu inconformismo através da escolha de um personagem inusitado: foi o caso da votação recorde do rinoceronte Cacareco do Zoológico de São Paulo nos anos 1950 ou da eleição do macaco Tião, um simpático chimpanzé hospedado (possivelmente contra sua vontade) no Zoológico do Rio nos anos 1980. Para se ter uma idéia da dimensão desse fenômeno político, Cacareco foi o "candidato" mais votado nas eleições para vereador em São Paulo em 1958, tendo feito 100 mil votos e batido todos os outros 540 concorrentes.

A recusa em votar nos políticos profissionais admite também um jeito irritado. Isso ocorria quando havia cédulas de papel e o eleitor escrevia qualquer palavrão ou mensagem desabusada no documento de papel, mais ou menos contra tudo e contra todos. Nesses dois casos trata-se de uma manifestação de repúdio aos políticos, aos candidatos, aos indivíduos, enfim.

Mas o voto nulo pode ser um protesto não contra a classe política, mas contra o sistema político. Foi o caso dos votos nulos e brancos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1989). Eles se tornaram, num primeiro momento, o canal mais à mão para certos setores liberais, ou francamente de esquerda, expressar sua contrariedade diante do regime. Em 1966 foi bem alto o índice de votos nulos e brancos nas eleições para o legislativo (cerca de 20%); e esse número cresceu em 1970 para próximo dos 30%, superando, na Câmara Federal e nas Assembléias Estaduais, a votação do MDB. Tratava-se do "voto de protesto".

A raiz desse inconformismo era dupla: de um lado, não havia qualquer identificação do eleitorado com as duas agremiações (Arena e MDB) criadas em 1965 depois da extinção de todos os partidos brasileiros; de outro, havia uma percepção difusa de que essas eleições não tinham peso nenhum no sistema político. Isto é: estando todo o poder com o executivo militarizado, de que adiantava eleger deputados e senadores? Entretanto, à medida que o regime evoluiu, os eleitores foram se dando conta de que o voto era um canal possível de expressão do descontentamento diante dos governos militares. Tanto é que as taxas de votação no MDB cresceram muito de 1974 em diante. Assim, há um cálculo bem racional do eleitor sobre o valor do seu voto.

A média histórica de votos nulos nas últimas cinco eleições presidenciais e estaduais tem variado, e em geral para baixo. Assim, é preciso avaliar o impacto dos votos nulos em cada conjuntura política, pois em cada conjuntura eles têm um significado diferente.

Na eleição de 1989, a primeira depois da ditadura, a taxa de votos nulos foi bem baixa, em torno de 4,5%, mas ligeiramente acima das taxas do período anterior (1945-1960) onde, ao contrário, os números de abstenções eram muito altos. Nas duas eleições vencidas por Fernando Henrique (1994 e 1998), os votos nulos giraram em torno dos 10%. Em 1998 simplesmente 40% dos eleitores ou não compareceram, ou votaram em branco ou anularam o voto. Em 2002, quando havia uma polarização do eleitorado, a taxa de nulos voltou a cair ficando, no segundo turno, abaixo até mesmo da taxa das eleições de 1989. Moral da história: quando há alternativas eleitorais reais, viáveis e opostas, a taxa cai. Quando não há, ela sobe.

O caso da votação para o governo do estado é ainda mais interessante. Primeiro: sabe-se que as taxas de votos nulos são sempre mais baixas no primeiro turno, já que há mais opções políticas. Daí que, de volta ao problema inicial deste artigo, o aumento de votos inválidos no segundo turno em 2006 no Paraná já deveria ser um fenômeno mais do que esperado. Segundo: o porcentual de votos nulos no segundo turno da eleição para governador do Paraná foi menor (e não maior) do que nas eleições anteriores: se agora 7,7% anularam o seu voto, em 2002 a taxa ficou em 8% exatos e em 1998 (onde houve apenas um turno), 9,3%. Logo, em 2006 a taxa caiu, e não subiu. Terceiro: em 2002 os votos nulos cresceram 4% do primeiro para o segundo turno; em 2006 a taxa de votos nulos cresceu apenas 2%. Quarto: para que a hipótese da taxa de votos nulos fosse a causa da diferença que se viu entre as pesquisas de boca-de-urna e a votação efetiva em Osmar e Requião, e que esses números fossem explicáveis pelo erro do eleitor que teria votado primeiramente para presidente (como seria mais lógico, aliás) e depois para governador, e não o contrário, deveria haver uma proximidade entre o total de votos nulos para presidente e para governador, pois o mesmo erro tem o mesmo efeito. Ora, para presidente houve, em 2006, 6,5% de votos nulos. Para governador, 7,7%. Além de tudo, essa taxa de votos inválidos para presidente, no Paraná, ficou na média da eleição de 2002 (6,6%) e foi mais baixa do que em 1998 (9%) e do que em 1994 (7%). Quinto: é verdade que a taxa de votos nulos no Rio Grande do Sul e no Pará foi bem baixa no segundo turno em 2006 (2,5%). Mas ela foi muito baixa também no primeiro turno: cerca de 3%. Nos estados em que os votos nulos foram expressivos, em torno de 7,5%, seu crescimento do primeiro para o segundo turno foi insignificante (2%). Foi o que houve em Santa Catarina, Paraná e Pernambuco. Na Paraíba, no Maranhão e no Rio Grande do Norte seu aumento foi negativo (isto é, diminuiu).

Não diria, contudo, que todos os quase 8% de eleitores do Paraná anularam intencionalmente seu voto para governador. Mas algum grau de descontentamento, inconformismo ou rejeição esses números devem expressar. Lembre-se, a propósito, que houve quase 17% de votos no primeiro turno para candidatos que não foram ao segundo turno. Podemos assim especular que uma parte desses eleitores não tenha tido opção no segundo turno e resolveu então anular seu voto.

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira.

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