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| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Este 4 de abril de 2018, data do julgamento pelo STF do habeas corpus (HC) 152.752/PR, ficará para sempre marcado em nossa história. Seja pelo fato de ter como matéria de exame a execução da pena confirmada em segunda instância, seja por ter como paciente um ex-presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva.

O HC atacava decisão da 5.ª Turma do STJ, que, seguindo o próprio STF, ao julgar o HC 126.292/SP em 2016, permitiu a execução da pena consolidada em grau de recurso – até então, valendo-se da presunção da inocência (artigo 5.º, LVII, da Constituição), só se permitia a prisão depois de esgotados todos os recursos possíveis. Favorece esta decisão a lógica jurídica, dado que a análise das provas e fato encerra-se em segunda instância, e também na necessidade de efetivar pena aplicada. O STJ e o STF tratam apenas de matéria de direito e, no aguardar esta análise, não raro a prescrição alcança as penas aplicadas e o processo é extinto sem que o condenado se submeta à pena aplicada.

A multiplicidade de recursos no processo penal pode levar à inocuidade de um processo

Na sessão de quarta-feira, várias foram as lições de Direito Constitucional, Penal e Processo Penal. Chamou atenção a fala do ministro Luís Roberto Barroso, quando da apresentação de números da Justiça – menos de 1% dos casos penais que chegam no STF tem a situação do condenado alterada (com anulação do processo ou absolvição). No mais, é confirmada a decisão do segundo grau. Disse que a presunção de inocência (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”) é compatível com a execução da pena confirmada no duplo grau de jurisdição, por inexistência de vedação legal. A propósito, o inciso LXI do mesmo artigo 5.º exige a “ordem escrita e fundamentada da autoridade competente” para a legalidade da prisão, e esta ordem pode vir do tribunal confirmador da sentença. Também os documentos internacionais vigentes não condicionam a prisão ao esgotamento dos recursos. Isto foi uma interpretação dada pela maioria da doutrina, que consolidou-se na jurisprudência e foi ficando.

O Direito Penal existe para proteger os bens jurídicos mais valiosos. Em tese, deve alcançar a todos – tanto para proteger como para punir, se necessário. Ocorre que a multiplicidade de recursos no processo penal pode levar à inocuidade de um processo. Isso é funesto não só para o cidadão diretamente envolvido, mas para toda a sociedade e para o próprio país.

Opinião da Gazeta: O Supremo toma a decisão correta (5 de abril de 2018)

Leia também: Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem? (artigo de Elton Batalha, publicado em 3 de abril de 2018)

No Brasil é novidade o Direito Penal alcançar a faixa social onde estão os processados pela prática de corrupção. E são estes, com maior poder aquisitivo e esclarecimento, os maiores beneficiados pela interpretação fixa no inciso LVII do artigo 5.º da Constituição – são estes que levam seus processos ao STJ e ao STF. A baixa criminalidade, do cidadão comum, estanca o processo no segundo grau de jurisdição.

As leis são textos que reclamam interpretação à luz do sistema do Direito e da sociedade em que está inserida. Em termos históricos, 2016 foi o momento de fixar o alcance da presunção de inocência, diverso da possibilidade da prisão após o recurso em segunda instância. Agora, discutiu-se a mudança pontualmente frente ao HC impetrado por Lula, mas o que vai dizer se é constitucional ou não a prisão antes de esgotados todos os recursos será o julgamento de mérito das ADCs 43 e 44, sobre o mesmo tema e que terão resultado vinculante. Para isso, precisaremos esperar mais um pouco.

Valéria Padovani é professora de Direito Penal da PUCPR.
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