Não se menospreze a retórica. Neste mundo factual, de resultados, a eloquência tem sido confinada à esfera de ornamento, descartável. Em certos círculos, até considerada contraproducente. Na Idade Média, junto com a gramática latina e a lógica, a retórica compunha o trivium, o conhecimento básico, nada trivial. Nesses primeiros 13 anos do século, num contexto volátil e tenso, a dinâmica dos confrontos tornou a racionalidade insuficiente e coloca a arte da palavra como o único recurso para produzir avanços.

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Barack Obama ofereceu nesta quinta-feira, em Jerusalém, outra inesquecível experiência retórica. Tal como no Cairo – em junho de 2009, falando para os estudantes egípcios –, quando dirigiu-se ao mundo muçulmano, agora o presidente norte-americano encarava cerca de 600 entusiasmados estudantes israelenses, mas na verdade mirava a comunidade judaica da Diáspora, principalmente nos EUA.

Fez questão de exibir as mãos vazias, sem planos concretos, roteiros, cronogramas de negociação, mas presenteou aqueles jovens, seus pais e correligionários na América com um admirável cesto de convicções. Nele, engenhosamente arrumados, tudo o que ansiavam ouvir no tocante à segurança de Israel e tudo o que precisavam escutar a respeito da paz com os palestinos.

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Não abriu uma nova fase na política americana para o Oriente Médio, fez precisamente o contrário: fechou o capítulo anterior. Jamais se ouviu um presidente americano clamar aos israelenses que olhassem o mundo através do olhar palestino. Tocou em tabus que até mesmo os liberais e esquerdistas israelenses não ousaram reivindicar nas recentes eleições, como observaram alguns comentaristas. No momento em que a centro-direita israelense tira do baú de velharias a ideia do Estado binacional (que há 70 anos era a bandeira da esquerda internacionalista), Obama os contesta de forma inequívoca insistindo na fórmula dos dois Estados – aquela que legitimou a criação de Israel em 1947.

Conseguiu esses pequenos milagres apelando para a inteligência e para o coração. O carisma de Obama vai na direção contrária do histrionismo dos demagogos e populistas. Trata suas audiências como seres superiores, adultos, e não como uma galera de sectários. O refinamento e a elegância não residem no vocabulário, na sintaxe ou mesmo no gestual; está na sua capacidade de levar os fascinados interlocutores a imaginar que sempre pensaram assim, portanto são iguais.

Embora os recursos tecnológicos favoreçam a ideia de que esteja improvisando ou tenha decorado o texto (tal como fazia outro grande tribuno, Winston Churchill), Obama sempre acha uma maneira feliz de escapar do script mencionando que está escapando do script. É a sinceridade a serviço da persuasão.

O presidente dos EUA deixou de cumprir promessas feitas ainda na campanha que o levou à Casa Branca. Não as repudia, dá sempre a impressão de que pode retomá-las a qualquer momento. Quando as condições o permitirem. A sua é a arte do possível. Nela, é insuperável.

Alberto Dines é jornalista.

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