Todos percebem que o problema da educação de base no Brasil parece estar nos baixos salários e formação dos professores. Mas também está na baixa qualidade de equipamentos e edificações e na gestão deficiente de escolas; no descuido com o acompanhamento dos alunos pelos governantes, gestores, familiares e professores. Mas poucos percebem que há obstáculos mais profundos provocando essas causas.
O primeiro está no sentimento de que não somos vocacionados para estarmos entre os melhores do mundo em educação. Somos e queremos continuar sendo os melhores com os pés, não com o cérebro. Todos lembramos da derrota por 7 x 1 que levamos da Alemanha, em 2014, mas raros lembram e lamentam que ao longo de 130 anos de República ao menos 20 milhões de adultos brasileiros morreram analfabetos, e que outros 11 milhões estão vivos hoje sem ao menos reconhecer nossa bandeira, por não saberem ler “Ordem e Progresso”.
O descontentamento de uma pessoa com a opção do filho pelo magistério decorre do sentimento nacional de que nos falta vocação para a educação
É como se isso fosse uma fatalidade a que estaríamos condenados. Mesmo quem investe na escola dos filhos, quer mais assegurar o salário que eles terão, do que fazê-los intelectuais educados. Por isso, lamentam quando o filho diz que quer ser filósofo ou professor, no lugar de seguir carreira que permita ganhar bem. O descontentamento de uma pessoa com a opção do filho pelo magistério decorre do sentimento nacional de que nos falta vocação para a educação.
Um segundo obstáculo é mais fácil de explicar. Depois de 350 anos de escravidão, a mente brasileira ainda acha que educação de qualidade não é para todos. No passado, senhores e escravos viam educação como privilégio de brancos livres. Hoje, ricos e pobres continuam vendo a escola de qualidade como privilégio de classes média e alta. Não sendo para todos, a educação de qualidade se limita a uma parcela da sociedade; e essa parcela não precisa também ser muito educada porque, se muitos estudam pouco, os poucos que estudam não precisam estudar muito.
Leia também: Horizontes e desafios da educação (artigo de Fábio Leite, publicado em 13 de janeiro de 2019)
Um terceiro obstáculo decorre de não termos percebido ainda que o vetor do progresso está no conhecimento. Nossa Constituição diz que educação é um direito de cada pessoa, não uma necessidade de todo o País. Em cada navio negreiro havia marujo para impedir que escravos desesperados saltassem ao mar, porque o suicídio era visto como prejuízo para o proprietário e para a economia que perderia a força de seus braços. Mas não temos especialistas trabalhando para impedir que os jovens de hoje abandonem as escolas, porque não temos a percepção de que o abandono sacrifica não apenas o futuro da criança ou do jovem mas de todo o Brasil ao perder o potencial de seus cérebros.
A tragédia da educação brasileira tem muitas razões práticas, mas não vamos superar o atraso e a desigualdade enquanto não tivermos uma mudança de mentalidade e superarmos esses três obstáculos fundamentais. Não venceremos a guerra pela educação, enquanto não entendermos que ela é o vetor do progresso, e acreditarmos e desejarmos que o Brasil pode estar entre os melhores do mundo na qualidade da educação acessível a todos, independentemente da renda e do endereço do aluno.
Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.