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Artigo

Obstáculos à educação

(Foto: Pixabay)

Todos percebem que o problema da educação de base no Brasil parece estar nos baixos salários e formação dos professores. Mas também está na baixa qualidade de equipamentos e edificações e na gestão deficiente de escolas; no descuido com o acompanhamento dos alunos pelos governantes, gestores, familiares e professores. Mas poucos percebem que há obstáculos mais profundos provocando essas causas.

O primeiro está no sentimento de que não somos vocacionados para estarmos entre os melhores do mundo em educação. Somos e queremos continuar sendo os melhores com os pés, não com o cérebro. Todos lembramos da derrota por 7 x 1 que levamos da Alemanha, em 2014, mas raros lembram e lamentam que ao longo de 130 anos de República ao menos 20 milhões de adultos brasileiros morreram analfabetos, e que outros 11 milhões estão vivos hoje sem ao menos reconhecer nossa bandeira, por não saberem ler “Ordem e Progresso”.

O descontentamento de uma pessoa com a opção do filho pelo magistério decorre do sentimento nacional de que nos falta vocação para a educação

É como se isso fosse uma fatalidade a que estaríamos condenados. Mesmo quem investe na escola dos filhos, quer mais assegurar o salário que eles terão, do que fazê-los intelectuais educados. Por isso, lamentam quando o filho diz que quer ser filósofo ou professor, no lugar de seguir carreira que permita ganhar bem. O descontentamento de uma pessoa com a opção do filho pelo magistério decorre do sentimento nacional de que nos falta vocação para a educação.

Um segundo obstáculo é mais fácil de explicar. Depois de 350 anos de escravidão, a mente brasileira ainda acha que educação de qualidade não é para todos. No passado, senhores e escravos viam educação como privilégio de brancos livres. Hoje, ricos e pobres continuam vendo a escola de qualidade como privilégio de classes média e alta. Não sendo para todos, a educação de qualidade se limita a uma parcela da sociedade; e essa parcela não precisa também ser muito educada porque, se muitos estudam pouco, os poucos que estudam não precisam estudar muito.

Um terceiro obstáculo decorre de não termos percebido ainda que o vetor do progresso está no conhecimento. Nossa Constituição diz que educação é um direito de cada pessoa, não uma necessidade de todo o País. Em cada navio negreiro havia marujo para impedir que escravos desesperados saltassem ao mar, porque o suicídio era visto como prejuízo para o proprietário e para a economia que perderia a força de seus braços. Mas não temos especialistas trabalhando para impedir que os jovens de hoje abandonem as escolas, porque não temos a percepção de que o abandono sacrifica não apenas o futuro da criança ou do jovem mas de todo o Brasil ao perder o potencial de seus cérebros.

A tragédia da educação brasileira tem muitas razões práticas, mas não vamos superar o atraso e a desigualdade enquanto não tivermos uma mudança de mentalidade e superarmos esses três obstáculos fundamentais. Não venceremos a guerra pela educação, enquanto não entendermos que ela é o vetor do progresso, e acreditarmos e desejarmos que o Brasil pode estar entre os melhores do mundo na qualidade da educação acessível a todos, independentemente da renda e do endereço do aluno.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília. 

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