Quais são as grandes feridas da educação brasileira? Onde estão nossas falhas, enquanto instituição e enquanto nação, quando o assunto é promover e garantir educação de qualidade, experiências impregnadas de sentido e melhoria nas condições de vida? A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou nesta quarta-feira, dia 30, o relatório “A Educação no Brasil – uma perspectiva internacional”, que destrincha uma série de dados e informações que orbitam nas muitas esferas educacionais no país e propõe, ao fim, dez passos para alcançarmos melhores resultados. O documento, profundo e detalhado, traz reflexões fundamentais para construirmos um projeto educacional mais sólido e respondermos a essas questões iniciais. No entanto, já dizia Mário Quintana, “a resposta certa não importa, o essencial é que as perguntas estejam certas”.
Os espaços escolares são, por essência, ambientes diversos, inseridos em realidades ainda mais diversas. Soluções adotadas de forma geral não necessariamente terão impactos positivos nas múltiplas singularidades em que há professores trabalhando. É preciso conhecer e compreender como os processos de ensino e aprendizagem acontecem nos diferentes contextos existentes. Uma localidade com apenas duas escolas tem tanta diversidade quanto outra que precisa coordenar dezenas delas, em diferentes bairros e com diferentes perfis. O sistema é gigantesco e moroso, e conhecer as muitas problemáticas envolvidas no processo de organização do ensino não basta para corrigir essa verdade. Apontar as dificuldades e os desafios da educação brasileira é um exercício que a própria escola faz há muito tempo, com conclusões similares às apresentadas no relatório da OCDE.
Embora seja importante compreender o cenário atual, é ainda mais importante refletir sobre as possibilidades de melhoria de forma detida e cuidadosa. O discurso do investimento, por exemplo, vive um paradoxo. Enquanto se afirma que o Brasil deveria investir mais em educação, por outro lado, em termos de dados, verifica-se que o país, na verdade, investe muito. Essa distorção se cria porque o investimento tem equívocos, com muita burocracia e pouca flexibilidade para que, lá na ponta da cadeia, as escolas possam aplicar os recursos naquilo que realmente trará retorno para seus alunos. É possível, mesmo prestando contas dos investimentos, permitir uma utilização mais assertiva da verba destinada à educação.
Mas esse é apenas um exemplo. Outra boa dinâmica é voltar o olhar para os professores. A OCDE afirma que é preciso preparar melhor os profissionais de ensino. Do que estamos falando, nesse caso? Trabalhar com o desenvolvimento dos docentes é, sobretudo, olhar para a formação desses profissionais, principalmente a formação inicial. Muitos professores chegam à graduação com lacunas significativas, o que é impacto da educação básica. E, se hoje temos uma fragilidade na formação inicial, é preciso pensar o que fazer na formação em serviço. Não se trata apenas de oferecer cursos, mas também de apurar a escuta e o olhar para conhecer a real necessidade do professor.
E, para além das questões pragmáticas, há outras, muito menos palpáveis, embora não menos relevantes. Neste momento de pandemia, qual o tamanho do desgaste e da redução dos recursos humanos na educação brasileira? Quantos profissionais do ensino não estamos perdendo primeiro para a Covid-19 e, depois, para a falta de perspectiva? Quantos professores seguem dentro da escola, mas sem condições de realizar seu trabalho porque estão machucados demais pela dura realidade compulsória?
Esse tipo de olhar ajuda a enxergar que a própria mensuração de qualidade tem uma infinidade de parâmetros possíveis. O que é essa qualidade? É ter as crianças matriculadas e frequentando a escola? Ou é garantir que se apropriem dos saberes e os transcendam para a vida cotidiana? As consequências de não refletir sobre isso são evidentes. O Brasil avançou na oferta de acesso ao ensino, mas não avançou na permanência de qualidade, não avançou na direção das muitas exigências feitas atualmente para a cidadania, para a vida em sociedade e pelo mercado de trabalho.
Não podemos nos esquecer que um relatório é sempre uma fotografia, mas a educação brasileira é um filme que está rodando, e que não está e nunca estará concluído. Nesse sentido, o relatório divulgado pela OCDE é importante, mas também denota a necessidade de outros investimentos e de outros olhares para que possamos cumprir todos os verbos propostos por ele. Para que possamos superar, aprimorar, intervir, desenvolver, aumentar, oferecer e desenvolver, teremos de parar de olhar apenas para as feridas e começar a agir em direção à cura. Se as mazelas são as mesmas há décadas, que esferas precisam ser efetivamente movimentadas para que o próximo relatório seja diferente?
Angela Biscouto é consultora pedagógica do Sistema de Ensino Aprende Brasil.
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