Na semana passada, o STF retomou o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade e da ação direta de constitucionalidade relacionadas à Lei de Proteção de Vegetação Nativa, aprovada em 2012 e comumente chamada de novo Código Florestal. Os votos iniciais do ministro relator Luiz Fux, trazidos no fim de 2017, permitiram antever o racional de seu entendimento diante do enorme desafio de julgar a constitucionalidade da lei, que buscou organizar um histórico de quase 100 anos de regras florestais. No entanto, não foi claro sobre uma questão central da lei: como se dará o processo de regularização de passivos de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de Reserva Legal (RL), incluindo a suspensão de multas até que a adequação efetivamente ocorra.
Antes de citar os tópicos sensíveis que se depreendem do julgamento, com base nos votos computados até o momento, é crucial lembrar que a lei questionada definiu, pela primeira vez, um processo de adequação ambiental, lastreado no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) estaduais, bem como regras para as APPs e RLs, adotando a data de 22 de julho de 2008 como limite para diferenciar as obrigações.
De 1934 até 2012, as regras pecavam ao não estabelecer um processo previsível de adequação. Com a lei de 2012, ele foi criado e agora está em xeque, o que pode trazer mais insegurança e gerar intermináveis debates sobre qual é, definitivamente, a regra válida. Alguns pontos dependerão do voto de minerva e, caso não sejam declarados constitucionais, deverão gerar enorme insegurança.
A implementação do Código Florestal é uma das contribuições do Brasil para o Acordo de Paris
Caso o artigo 59, parágrafos 4.º e 5.º, – que tratam justamente da suspensão de multas ou sua aplicação, desde que o produtor cumpra as obrigações que venha a assumir na adesão ao PRA, com a assinatura do Termo de Compromisso (TC) –, seja declarado inconstitucional, é factível esperar que os produtores não sigam no processo de adequação, e passem a questionar a enxurrada de multas que poderá advir. Se cair o artigo 67, que traz as regras de adequação da RL para produtores que tenham até quatro módulos fiscais, eles deverão restaurar áreas seguindo os limites mínimos da regra geral, o que de imediato seria uma afronta ao princípio da isonomia, além de perder área e até mesmo inviabilizar a atividade. Por fim, se for suprimido o marco temporal do artigo 17, parágrafo 3.º, que define a suspensão imediata das atividades em áreas de RL para quem desmatou após 22 de julho de 2008, todas as áreas de RL, independentemente da data de conversão, não poderão ser utilizadas. Curiosamente, caso a compensação de RL seja mantida para quem converteu áreas até aquela data, o produtor poderá compensar em outra área e não poderá utilizar a sua?
Tendo em vista que a suspensão de multas e sua não aplicação, durante o cumprimento do TC, também estão previstos na Lei de Acesso a Recursos da Biodiversidade, de 2015, e na própria Lei de Crimes Ambientais de 1998, os ministros do Supremo, ao defenderem a inconstitucionalidade do artigo 59, parágrafo 4.º, vão em confronto com o restante do ordenamento jurídico ambiental e sua sistemática lógica, de que, com a assinatura de TC referente a infrações cometidas até um marco temporal determinado, há a suspensão da exigibilidade de sanções e, se a obrigação não for cumprida, passa-se a aplicá-las. Assim, não trata de uma exclusividade da lei questionada.
Leia também: Um passo para a frente, dois para trás (artigo de Liz Buck Silva, publicado em 15 de setembro de 2017)
A implementação do Código Florestal é uma das contribuições do Brasil para o Acordo de Paris. A agenda de restauração florestal – incluindo uso econômico, o controle efetivo do desmatamento e permitindo separar conversão ilegal de legal – e a promoção da produção associada à conservação ambiental estão atreladas à lei. Assumindo que o Cadastro Ambiental Rural é uma realidade e permitiu formar um fabuloso banco de dados que permitirá monitorar a adequação e dar transparência para o cumprimento das regras, é crucial lembrar que os produtores começam a aderir aos PRAs e logo deverão passar para a restauração na prática. Cumpridas as obrigações, não há de se falar em anistia.
O potencial de implementação do Código Florestal está nas mãos do STF. Resta esperar para que o ministro Celso de Mello pondere os pedidos diante das leis que vigoraram até 2012 e encontre o esperado equilíbrio para tolher a interminável insegurança jurídica que historicamente marcou as leis florestais.