Na noite de 3 de novembro, uma falange de estudantes mascarados irrompeu o Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Com emprego de ameaças, intimidações e violência verbal, eles expulsaram alunos, professores e servidores, mantendo alguns em cárcere privado por algum tempo. As portas da instituição foram acorrentadas pelos manifestantes, impedindo o acesso da comunidade ao edifício. Quem assistir às imagens perceberá que não há diferença entre os métodos de ação ali utilizados e aqueles empregados pelas Sturmabteilung, as “seções de assalto”, ou milícia do Partido Nacional-Socialista alemão, quando este era apenas um grupo pequeno e inofensivo de oposição. Os estudantes deixaram o prédio no dia 5, exigindo como condição para sua saída o reconhecimento de que estavam ali “exercendo um direito democrático”, o que foi aceito pelo reitor. O reitor errou.
Ocupação de prédio público com o objetivo de paralisar a prestação de serviços à comunidade não pode ser admitido como um meio constitucionalmente válido de protesto em um Estado Democrático de Direito, pelo simples fato de que este meio empregado é um ato de violência. As ocupações não podem ser consideradas “pacíficas” quando impedem, por um ato de força, o exercício regular de um direito. E, na democracia, a violência e os atos de força não podem ser um instrumento legítimo de ação política. Além de antidemocráticas, as ocupações são antirrepublicanas. Apropriar-se de um bem comum de uso do povo com a finalidade de impor uma visão de mundo aos que dela discordam é exercer arbitrariamente as próprias razões através do aparelho estatal que deve ser indiferente a crenças e ideologias dos particulares. Não importa que a causa seja “justa”, porque os fins não justificam os meios. E, na luta política, não há critérios objetivos de aferição da “justiça” de reivindicações. Por isto, o Estado deve ser neutro em relação a elas e não pode ser “capturado” por facções.
As ocupações não podem ser consideradas “pacíficas” quando impedem, por um ato de força, o exercício regular de um direito
Parece evidente, por isso, que os direitos constitucionalmente assegurados de liberdade de reunião, de manifestação e de expressão não incluem o “direito” de ocupação de prédios públicos, simplesmente porque eles violam outros direitos constitucionais, como o direito do servidor de trabalhar e do cidadão de receber o serviço público. A interrupção do serviço público é um ato deliberado de força e nenhum ato de violência pode ser incluído nos direitos fundamentais referidos. Não cabe qualquer paralelo com os “direitos de resistência” constitucionalmente assegurados, como o direito de greve. A Constituição assegura que o servidor paralise sua prestação de serviço (com algumas restrições), mas não assegura que prédios públicos sejam invadidos e ocupados à força. A “desobediência civil” não é um direito no Estado constitucional-democrático (pois, se assim fosse, os fora-da-lei também poderiam invocá-lo); é um direito natural de rebelião no Estado de exceção, e não estamos em Estado de exceção.
Os Estados Unidos são o país em que a liberdade de expressão alcançou o maior grau já conhecido. E jamais se aceitou lá que a liberdade de expressão alcançasse o direito de ocupar prédios públicos. A ocupação de prédios federais e interrupção deliberada de serviços públicos, sob qualquer pretexto, é crime grave (United States Code, Title 18, Section 372). Oliver Wendell Holmes, um dos mais reverenciados juízes da história da Suprema Corte daquele país, em conhecida decisão, afirmou: “O caráter de cada ato depende da circunstância de sua realização. A mais rígida proteção da palavra não protegerá um homem que falsamente gritasse ‘fogo’ num teatro e, assim, causasse pânico” (Schenk vs. United States, 249 U.S. 47, 1919); “A Primeira Emenda, ao proibir legislação contrária à liberdade de palavra, não podia pretender, e manifestamente não pretendeu, atribuir imunidade a qualquer uso possível da linguagem (como) o ato de aconselhar um assassinato” (Frohwerk vs. United States, 249 U.S. 204, 1919).
Aliás, de acordo com a jurisprudência americana, até mesmo o direito de ocupar praças públicas tem o seu limite quando contrariar o interesse público. O tão decantado “Occupy Wall Street” foi dissolvido por determinação judicial da Justiça de Nova York porque as condições de higiene estavam pondo em risco a comunidade. Este é também o posicionamento da Suprema Corte, como na decisão Cornelius vs. NAACP Legal Defense & Ed. Fund, Inc., 473 US 788,799 (1985), em que se estabeleceu que “mesmo a proteção à liberdade de expressão não é assegurada igualmente em todos os lugares e a qualquer tempo”. Os americanos entendem muito bem o que significa “República”.
É realmente preocupante que administradores públicos e, pior ainda, associações de juízes e promotores (que se arrogam o título de “democráticos”) defendam que atos de violência estão protegidos pela cláusula constitucional de liberdade de manifestação e expressão. Eles estão contribuindo para formar jovens mimados de mentalidade fascistoide, que acreditam que atos de força são métodos legítimos de ação política no Estado Democrático de Direito.
Seria mais proveitoso ensinar a esses jovens um pouco de história, lembrá-los que Gandhi conquistou a independência da Índia; que Martin Luther King triunfou na sua luta pelos direitos civis; que, no Brasil, a campanha das Diretas Já apressou o fim do regime militar. Foram todas grandes manifestações cívicas que alteraram o curso da história e em nenhuma delas nem sequer um prédio público foi ocupado.
Deixe sua opinião