O noticiário recente foi tomado pelo levantamento de sigilo, determinado pelo juiz Sergio Moro, das escutas telefônicas de Lula. Veio à luz uma estratégia de obstrução de Justiça tramada nas sombras, envolvendo o ex-mandatário e a própria (até o momento) presidente da República. Fuga da Justiça na cara dura, com uso da administração pública para fins imorais e pessoais.
Mas o foco de muitos juristas brasileiros – salvo honrosas exceções – não foi o flagrante delito cometido ante as faces de todos nós: o foco foi o juiz que levantou os sigilos e revelou o crime em curso naquele momento mesmo. “Violação da intimidade”, “ofensa aos princípios democráticos”, até “crime contra a segurança nacional” – porque, de fato, proteger um investigado pela Justiça sob o manto do foro privilegiado é mesmo uma questão de segurança nacional, não é? –, toda uma coleção de expressões do juridiquês bem dito foi dispensada contra Sergio Moro.
E todas essas palavras vazias, lançadas ao vento, ignoravam o que deveria ser a preocupação de todos: o aparelhamento e parasitismo do PT sobre o Estado é tão escandaloso que a presidente da República se vê autorizada a interferir nos trabalhos do Judiciário para livrar o seu mentor das mãos de um juiz que não se intimida ante os poderosos.
O direito não pode estar descolado da realidade, sob pena de defender vazios
Como os juristas nacionais pretendem defender o Estado Democrático de Direito pela proteção de um ato que, em si mesmo, derroca todo e qualquer Estado Democrático de Direito? A expressão ganha contornos de mero palavrório com densidade de vento: bate-se no peito em nome da defesa do Estado Democrático de Direito enquanto ele está ali, destruído, pisado no chão, aos farrapos na lama. Agem como os “defensores dos direitos humanos” que só derramam lágrimas pelos bandidos e nunca pelas vítimas, que talvez não sejam tão humanas quanto aqueles que, de forma desumana, destruíram-lhes todos os direitos.
O filósofo Olavo de Carvalho há muito denuncia este descolamento entre palavra e realidade: a linguagem perde a função “denominativa”, isto é, de descrever algo que existe realmente, e passa a ter apenas a função “apelativa”, de provocar emoções e influir sobre os outros. Quando quer inibir um debate, esse grupo de juristas lança logo mão da carta da “defesa do Estado Democrático de Direito”, não importando que este tenha sido assassinado no momento mesmo do ato que eles pomposamente defendem. Ao ouvir as palavras-talismã, todos se calam: afinal, quem quer ser contra o Estado Democrático de Direito?
Não passa pela cabeça de ninguém perguntar o óbvio: como se defende o Estado, a democracia e o direito utilizando este tripé como máscara para esconder nas sombras aqueles que parasitaram as instituições que se diz lutar para manter? São questões que paralisam. Quesitos que ninguém levanta.
O direito não pode estar descolado da realidade, sob pena de defender vazios, de fazer da inexistência, da inutilidade e da iniquidade o seu único valor. A doença da esquizofrenia jurídica está matando o direito nacional, encerrando-lhe no submundo distante do irrealismo. Não admira que o brasileiro não confie nas leis.
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