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Artigo

O divórcio entre ciência e filosofia

Filosofia e ciência são sinônimos na Grécia Antiga, significando a epistéme, saber rigoroso, lógico-conceitual, em contraposição à “opinião” irrefletida, fruto da impressão subjetiva. Este saber se caracteriza pela oferta de razões acessíveis, em princípio, a todos (que estejam dispostos a investigar seriamente a realidade), não se baseando mais, como no mito, na autoridade do poeta ou do sacerdote, mas naquela da inteligência.

Aristóteles distinguiu entre a “filosofia primeira” (“metafísica” ou “ontologia”), que estuda os princípios gerais da realidade, e as “filosofias segundas” (que dariam nas nossas ciências empíricas), que estudam os diversos setores da realidade: a psicologia, a matemática, a física, a biologia etc.

Realidades como o amor e a liberdade podem ser investigadas ou decididas apenas do ponto de vista da ciência empírica?

Nos séculos 13 e 14, na Universidade de Oxford, começa-se a valorizar o conhecimento experimental, e a filosofia nominalista abandona a metafísica das “essências universais”, passando o “conceito” a ser símbolo lógico de realidades singulares semelhantes, preparando-se, assim, o pensamento matematizante cujo marco seria, no século 17, a teoria heliocêntrica de Kepler, e que teria seu paradigma nos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Newton.

No século 19, a filosofia positivista estabeleceu que apenas o conhecimento matemático-experimental é verdadeiro, e que a metafísica não teria valor cognoscitivo. A filosofia passa a ser, então (na realidade, desde Kant, no século 18), mera teoria da nuova Scienza, sem um objeto próprio.

O objeto da filosofia, enquanto “ontologia”, deixou de existir? O cientificismo positivista é uma filosofia geral, que afirma que o “ser” das coisas reais corresponde a seus aspectos mensuráveis. Mas, filosoficamente, isso é sustentável? Realidades como o amor, a liberdade, a moralidade do aborto, a inteligência etc. podem ser investigadas ou decididas apenas do ponto de vista da ciência empírica?

Quando isso ocorre, o resultado é, por exemplo, a aplicação da estatística aos problemas éticos: “válido” passa a ser “o que se faz”, e não “o que deve ser feito”; assim, já que, de qualquer forma, aborta-se, as vidas em jogo (das mães e dos bebês) passam a ser uma questão “quantitativa”, de “saúde pública” (cada vida humana inocente já não tem mais uma dignidade infinita). Em outro exemplo, o problema da consciência, que na filosofia tem um tratamento riquíssimo, é reduzido aos aspectos físico-químicos dos atos conscientes; ignora-se a diferença entre os aspectos empíricos da consciência, como as qualidades sentidas, e o seu caráter “real” inteligível, como se a intelecção fosse mera computação de dados sensíveis, e não a percepção das imagens configurando – na própria sensação – um “algo” que excede aqueles dados e que não se reduz a estímulo para uma resposta animal; percepção sem a qual a liberdade humana seria uma ilusão, pois estaríamos totalmente determinados pelas leis da natureza.

É preciso encontrar um link entre ontologia e ciência. Esta não pode pretender captar absolutamente a realidade, que não se reduz à “extensão” (mesmo porque isso já seria uma tese filosófica), e a filosofia não pode prescindir dos conteúdos e problemas das ciências, que lhe subministram, além da experiência humana ordinária, base empírica para uma especulação metafísica mais rigorosa.

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