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Artigo

O Estado no banco dos réus

 | Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo
(Foto: Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo)

De repente, um país profundamente desigual, injusto e marcado pelo histórico de corrupção, violação de direitos humanos e cinismo das elites políticas eleitas ou das que exercem altas funções no Estado confronta-se com a decisão do STF de obrigar o Estado a pagar a quantia de R$ 2 mil em favor do preso Anderson Nunes da Silva, que cumpriu pena de sete anos no município de Corumbá (MS) por crime de latrocínio, roubo seguido de morte.

A responsabilização do Estado brasileiro busca reparar o histórico de violência e ilegalidades institucionais praticadas contra milhares de indivíduos presos, incluindo atos de violência física, maus-tratos e abrigos em celas desumanas. Nas prisões femininas, a falta de absorventes íntimos força as detentas a substituí-los por miolo de pão. Como resposta, os presos organizam motins, assassinatos e tentativas de fuga. Quando se olha os perfis dos presos, há pessoas condenadas pelo não pagamento de pensão alimentícia e outros crimes banais. Muitos desses indivíduos acusados, sentenciados e presos já figuraram como vítimas estruturais de uma sociedade injusta, desigual e excludente que, antes da prisão, condena milhares de adultos e jovens a trilhar o caminho da violência e do crime.

Muitos desses indivíduos presos já figuraram como vítimas estruturais de uma sociedade injusta

Atualmente, a indústria de controle do crime confina mais de 600 mil presos em apenas 370 mil vagas. Esse barril de pólvora dá força e visibilidade política às facções criminosas que controlam os presídios e, vez por outra, fazem questão de mostrar seu show de horrores. Os casos de motins e chacinas no início deste ano emparedaram Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte.

Apesar disso, a cifra de encarcerados não para de crescer. O Brasil abriga a quarta maior população carcerária do planeta, com 607 mil presos. Em 40% dos casos, eles ainda não foram julgados. No Paraná, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) informa que há 14.614 presos provisórios aguardando sentença judicial. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o Brasil precisaria construir, de imediato, 250 mil novas vagas para desafogar a hiperlotação dos presídios. Para isso, o governo precisaria desembolsar R$ 10 bilhões, já que, segundo o CNJ, o custo para abrir uma nova vaga gira em torno de R$ 40 mil a R$ 50 mil.

Como se vê, estamos todos presos. Pensar em políticas de descriminalização das drogas, por exemplo, pode ser um caminho. A quantidade de presos por tráfico de drogas é irrisória quando comparada à multidão de pequenos traficantes que circulam livremente pelas ruas para vender e entregar seus venenos. As drogas estão muito próximas das pessoas, das escolas e de nossas casas.

A decisão do STF é uma oportunidade histórica para refazer escolhas e confrontar vozes repressoras instaladas junto às secretarias de Segurança Pública, setores do Ministério Público e da mídia comercial que fatura em cima das tragédias humanas, alimentando o sentimento medieval de vingança e punição.

É urgente compreender que o sentimento da vítima não significa compactuar com o cinismo das autoridades políticas e das instituições de Estado. A decisão do STF de pôr o Estado no banco dos réus, como violador de direitos humanos, abre novas perspectivas à sociedade, aos agentes políticos e ao sistema de Justiça criminal para abolir a ideia das prisões como meio de oferecer segurança e pacificação social.

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